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A surpreendente reabilitação da Comic Sans

A fonte foi usada no anúncio do bóson de Higgs. Será que ela deixará de ser piada?

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Por Anna Carolina Papp
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SÃO PAULO – Ela apareceu de novo e desta vez não foi em um trabalho de escola ou na circular do condomínio, mas em uma das descobertas científicas mais importantes da história. A Comic Sans, a fonte tipográfica mais ridicularizada de todos os tempos, foi utilizada na apresentação que os cientistas do Centro Europeu para a Pesquisa Nuclear (Cern) fizeram para anunciar a descoberta de uma partícula subatômica considerada apenas uma suposição, o bóson de Higgs, no início deste mês.

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Logo virou piada. “Usar Comic Sans (exceto em quadrinhos) é como fazer Física usando unidade imperial”, brincou um usuário do Twitter, referindo-se à obsoleta unidade inglesa de medidas. Sam Byford, do site The Verge, escreveu: “Ficamos assustados com o fato de que uma equipe com as pessoas mais brilhantes do mundo acredite que a Comic Sans é uma fonte apropriada para uma ocasião histórica como essa”.

A zombaria também veio em forma de um abaixo-assinado online solicitando à Microsoft que altere o nome da fonte para “Comic Cerns” no Windows 8. A petição, que visa a 100 mil assinaturas, ainda não alcançou 800, mas conta com um apoiador fundamental: o criador da fonte, Vincent Connare (leia entrevista ao lado). No Twitter, ele declarou apoio à campanha e tirou sarro: “Se o Cern ganhar o prêmio Nobel, em que fonte será escrito?”.

Cômica. Quando o assunto é Comic Sans, parece não haver meio termo: ou se ama ou se odeia. A fonte é conhecida por ser usada de forma exaustiva e generalizada. Além de ser comum em anúncios, cardápios, letreiros e documentos, ela já apareceu na camisa do time de basquete de Portugal, na revista Time e em anúncios da Adidas. Um funcionário do Twitter chegou a dizer que ela é um dos três assuntos que mais geram tráfego no site, junto a empresas aéreas e Justin Bieber.

O repúdio de muitos deve-se ao fato de a fonte parecer infantilizada. Na verdade, essa foi a intenção. Connare, que trabalhava na Microsoft, desenhou a fonte em 1994, para fazer parte da versão beta do Microsoft Bob, software destinado a crianças. A inspiração veio das graphic novels O Cavaleiro das Trevas e Watchmen. Connare não concordava que as falas de Rover, cachorrinho personagem do software, aparecessem com a fonte Times New Roman, o que considerava inapropriado.

Por demorar demais, a fonte não foi incluída na versão, mas saiu no ano seguinte no Windows 95 Plus e no Microsoft 3D Movie Maker. A partir daí, foi ganhando popularidade. Para Connare, “a fonte faz sucesso porque não é como as comuns, é casual, então se sobressai”.

“Quem não gosta tem visão limitada”

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Entrevista com Vincent Connare, criador da Comic Sans

O que achou do uso da Comic Sans pelo Cern?O professor e físico Brian Cox é meu amigo há oito anos. Mandei-lhe um e-mail sobre os primeiros slides, que estavam em uma fonte sem serifa – não os usados em Comic Sans pela professora Fabiola Gianotti, do Cern. Ela pode escolher a fonte que quiser, o que chamou a atenção da mídia. Isso mostra que ela não é uma tipógrafa nem designer. É como o resto da população para a qual a Comic Sans foi desenhada.

E do abaixo-assinado para renomear a Comic Sans?Eu apoio a renomeação no Windows 8. Mas acredito que haja implicações legais: uma vez lançada, é impossível mudar o nome sem causar problemas.

Quais foram as situações mais memoráveis em que a fonte foi usada?A carta escrita por Dan Gilbert, do time de basquete Cleveland Cavaliers, foi provavelmente a primeira vez em que a Comic Sans foi parar nos trending topics. Quando tive um problema com um provedor, também escrevi uma furiosa carta em Comic Sans, e tive um reembolso de dez libras. Já Dan Gilbert levou uma multa de US$ 10 mil.

Qual é a fonte mais horrível?Helvetica é a pior fonte que já existiu. É sem graça, grossa e foi criada por um engenheiro.

O que acha das críticas à Comic Sans?Quem a odeia não tem um pensamento liberal. Dizer que você odeia a Comic Sans significa que tem uma visão limitada e não entende que ela foi feita para alguém que não é você.

(N. do E.: A Comic Sans é a fonte que aparece no texto desta notícia)

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