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Jornalista, escritor e palestrante. Escreve às quintas

Opinião|A timeline política é miragem

Agora, é o próprio Facebook que diz: aquilo que lemos na linha do tempo não representa o real

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É raro. Mas, vez por outra, duas notícias surgem em uma mesma semana que, embora não relacionadas, dão liga. Fazem sentido, pintam um quadro. A primeira vem do Facebook. A plataforma soltou uma longa análise a respeito da relação entre a rede social e a política. Uma análise, diga-se, incrivelmente franca. E com coragem de enfrentar questões que não eram debatidas publicamente. Na outra ponta, a turma do Monitor do Debate Político no Meio Digital, da USP, descobriu com surpresa que, na segunda e na terça, o julgamento do ex-presidente Lula era um tema ignorado nas redes até por quem estava preocupado com política. 

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Em um longo texto assinado por Samidh Chakrabarti, seu gerente de Engajamento Cívico, o Facebook entra nos pormenores de suas conclusões após revisar o que aconteceu durante as eleições americanas e avaliar estudos acadêmicos. Sua principal conclusão: é cedo demais para afirmar que redes sociais façam bem à democracia. “Se há uma verdade fundamental a respeito do impacto das redes”, ele escreveu, “é que elas amplificam as intenções humanas — tanto as boas quanto as más.”

Segundo os dados que apresenta, entre 2015 e 2016, 126 milhões de americanos viram posts sobre sua política local que foram impulsionados por dinheiro russo. Num país com 300 milhões de habitantes, não é pouco. Mas é difícil mensurar o quanto esta campanha interferiu no resultado da eleição. À possibilidade de estrangeiros interferirem na eleição de qualquer país, soma-se também o poder de espalhar boatos e informação contraditória. As fake news, que muitas vezes partem dos adversários.

O Facebook também reconheceu, e pela primeira vez, a existência de bolhas ideológicas. Nas redes, as pessoas tendem a conviver com gente que pensa igual. Não quer dizer que elas nunca sejam expostas a opiniões divergentes. Mas há incentivos, na vida online, para rejeitar aquilo com o qual discordamos com veemência. O resultado é uma máquina de acirramentos, de produzir raiva política, de travar o diálogo. “Isso faz com que estourar estas bolhas seja difícil”, observa Charkabarti.

Há um último ponto que o executivo levanta, que deveria ser óbvio, e no entanto é consistentemente esquecido. Aquilo que lemos no Facebook ou em outras redes sociais não representa a opinião pública. É uma armadilha na qual jornalistas, analistas e até mesmo políticos caem a toda hora. Grupos extremistas têm uma participação intensa nas conversas políticas das redes. Enquanto que grupos grandes — mulheres, por exemplo, que são maioria na sociedade real — estão sub-representadas nestas discussões. As vozes que se sobressaem não necessariamente representam o que pensa o mundo real.

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Na quarta-feira, o Brasil assistiu estupefato ao julgamento e à condenação por corrupção, em segunda instância, de um ex-presidente da República. Conspiração das elites para uns, justiça verdadeira para outros. No mínimo é diferente. É algo inédito. Porque não é só Lula. Há também um ex-governador do Rio e dois ex-presidentes da Câmara atrás das grades. Ainda assim, Lula é ex-presidente. A valer a jurisprudência atual, está próximo da cadeia.

E, no entanto, seu julgamento mal foi discutido nas redes segunda e terça. Repentinamente, na quarta, o tema explodiu. O que isso quer dizer? Se for uma representação real da sociedade, talvez estejamos de saco cheio. Não é com Lula em particular. É com a crise que explodiu em 2013 para nunca mais acabar.

Mas, agora, é o próprio Face que o diz: aquilo que lemos na linha do tempo não representa a realidade.

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