Contra proposta

Site social de notícias propõe um tratado para manter a internet livre no mundo; texto está sendo feito colaborativamente

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Por Tatiana Mello Dias
Atualização:

Site social de notícias propõe um tratado para manter a internet livre no mundo; texto está sendo feito colaborativamente

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SÃO PAULO – Neste momento, em um texto criado no Google Docs, milhares de usuários estão opinando em um projeto que tem uma proposta ambiciosa: quer combater a censura online e garantir direitos básicos ao usuário da internet, como liberdade, anonimato e privacidade.

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O Free Internet Act (FIA), ou Ato para a Internet Livre, foi uma ideia do Reddit. A rede social de notícias foi uma das empresas líderes no movimento de resistência contra o Stop Online Piracy Act (Sopa) e o Protect IP Act (Pipa), leis norte-americanas antipirataria que foram engavetadas pelo Congresso dos EUA após onda de protestos. Agora, para evitar o surgimento de outras propostas duras, o Reddit quer garantir os princípios básicos para os usuários (e uma segurança jurídica para as empresas que trabalham com isso).

A proposta, diz o Reddit, visa promover “prosperidade, criatividade, empreendedorismo e inovação”, enquanto “previne a restrição de liberdade e a censura”. A lei quer garantir às pessoas o direito de navegar livremente. “O usuário tem o direito de liberdade de expressão e conhecimento. Nós governamos o conteúdo da internet, não os governos.” As leis, no caso, devem ser utilizadas apenas para garantir a proteção de direitos autorais.

O principal artigo aparece logo no começo do texto: nenhum governo poderá aprovar uma lei que provoque censura na internet. É uma menção direta à Sopa, que previa a remoção de conteúdo sem ordem judicial. Não é por acaso: o Reddit foi o primeiro site a propor um blecaute contra a proposta, e foi, com a Wikipedia, o líder no movimento que uniu gigantes como Facebook e Google.

A lei também quer garantir a neutralidade da rede, dizendo que os provedores de serviço (os responsáveis por fornecer a conexão) e de conteúdo (que têm a plataforma, como o Google e o Facebook) não podem filtrar ou distorcer os dados enviados pelos usuários.

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Os provedores também não podem ser responsabilizados sobre o conteúdo que circula em suas plataformas. Se ocorrer algo ilegal, eles devem avisar o usuário com pelo menos 30 dias de antecedência de qualquer remoção de conteúdo – o responsável pode recorrer durante esse período.

Além disso, a proposta quer garantir a todos os usuários o direito ao anonimato, além de proteger proxies e redes anônimas, como o sistema Tor.

O texto, aliás, é editado de forma anônima. A edição começou com um fã de Pulp Fiction com o apelido de “RoyalWithCheese22”, que disse ao site Mashable que a ideia surgiu justamente por causa da preocupação dele com a Sopa.

Desde o início a proposta foi manter o texto em código aberto. Os usuários terão um mês para palpitar. A proposta é ambiciosa: a intenção é que o texto se transforme em uma legislação internacional. Há artigos, inclusive, que tratam dessa questão, proibindo extradições para crimes relacionados à internet.

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O Reddit traçou um plano que é até viável para uma possível aprovação internacional do texto. O documento será entregue para a Iniciativa de Cidadania Europeia, que possibilita aos cidadãos apresentarem projetos de lei se conseguirem 1 milhão de assinaturas em sete países membros da União Europeia. A data-limite para a entrega do texto é 1o de abril – por isso, o tempo é curto para a elaboração do texto e a revisão por especialistas.

O Reddit publicou uma prévia no Google Docs e incentivou seus usuários a editá-la e discuti-la livremente. Apesar de coerente com a defesa do anonimato e liberdade, o processo de redação aberta teve problemas. Poucos dias depois de ser criado, o texto do documento de repente apareceu com a fonte em Comic Sans e cor-de-rosa, e o conteúdo ficou repleto de asneiras. Até uma foto de um homem pelado foi publicada. Depois, o texto voltou ao normal, editado pelos usuários comprometidos com a proposta. Faz parte da natureza da internet.

E no Brasil? A proposta do Reddit não foi a primeira. No Brasil, o Ministério da Justiça propôs em 2010 o Marco Civil da Internet, iniciativa para definir direitos dos usuários da internet – privacidade, neutralidade, liberdade, entre outros pontos. O texto, redigido colaborativamente na web, está no Congresso – agora com a alcunha de PL 2.126/2011.

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Assim como o Free Internet Act foi proposto para combater leis duras como a Sopa, no País o Marco Civil surgiu em oposição à Lei Azeredo, conhecida como “AI-5 Digital” por promover um ambiente de vigilantismo no combate a crimes digitais. Para o governo, o risco de se aprovar leis do tipo sem ter definidos os direitos dos usuários “é a possível falta de harmonia das normas aprovadas com os princípios e as premissas que fizeram a internet ser o que é hoje”, explica Marivaldo Pereira, secretário de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça.

Não houve contato dos organizadores do FIA com os responsáveis pelo Marco Civil, mas a proposta brasileira chamou a atenção lá fora. O processo de elaboração da lei já foi apresentado na Assembleia Geral da ONU. No domingo, os pesquisadores Ronaldo Lemos e Sérgio Branco, do Centro de Tecnologia e Sociedade da FGV, falarão sobre o projeto no festival South by Southwest (SXSW), nos EUA.

“Como o Marco Civil foi construído em debate aberto, pode ter inspirado esse movimento internacional de democratizar a elaboração de normas usando novas tecnologias”, diz Pereira.

O Marco Civil passou 2011 sendo discutido internamente no governo. A presidente Dilma Rousseff o encaminhou para o Congresso no final do ano passado. Segundo o deputado Paulo Teixeira (PT-SP), será constituída uma Comissão Especial. O relator deverá ser o deputado Alessandro Molon (PT-RJ). O governo acredita que a lei pode ser aprovada ainda neste ano.

A quem interessa uma nova lei para a internet?Por Omar Kaminski, presidente do Instituro Brasileiro de Direito da Informática Foto: Estadão

Leis duras como a Sopa mostram a necessidade de estabelecer limites entre direitos conflitantes. Por isso se questiona todo esse aparato legal para proteger os autores em detrimento a tantos outros crimes que são cometidos, ou a utilização de mecanismos legais para exercer restrições, filtros, censuras.

É talvez uma queda de braço entre o excesso de rigor de um lado e um excesso de permissividade de outro. E com isso a discussão retorna ao assunto de sempre: há necessidade de novas leis para a internet e por quê? Existem dois focos: a capacidade e legitimidade de levantar questões uniformes aos usuários de internet; e a dificuldade de entender conceitos e normas jurídicas por parte dos leigos. Para que houvesse tratamento uniforme seriam necessários tratados e convenções internacionais. Há um longo caminho.

No caso de empresas, no Brasil o Google e outros provedores têm sido responsabilizados por conteúdos ofensivos (a chamada responsabilidade objetiva). Portanto, é de se esperar que tenham interesse em promover o entendimento pela culpa exclusiva do usuário final no caso de crimes e ilícitos ou da não responsabilização de provedores. Outra questão em que o FIA bate é no direito de permanecer anônimo.

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É uma discussão que vem crescendo no Brasil, embora a Constituição Federal vede o anonimato. Também define questões procedimentais de julgamento, jurisdição, etc. que são mais complicadas. Além disso eles propõem até um cálculo para determinar os limites da culpabilidade nas questões de violações de direitos autorais.

Os riscos do anonimato e a necessidade da leiPor Renato Opice Blum, coordenador do curso de direito digital na Fundação Getúlio Vargas Foto: Estadão

A maior parte dos direitos propostos já estão garantidos na Constituição de países desenvolvidos. Direitos à intimidade, à liberdade de expressão, à livre concorrência. O que aconteceu com a internet? A legislação sempre vem após um fato. O problema é que o processo legislativo não consegue acompanhar a velocidade da internet.

Eu acredito que a responsabilidade do provedor deve ser condicionada a uma certa conduta. O atraso legislativo tem sido contornado com a jurisprudência. Em princípio, nenhum provedor tem responsabilidade sobre o conteúdo postado por um usuário. Mas pode ter se existir uma prova de que ele sabia ou colaborou para divulgação ou hospedagem de conteúdo ilegal.

Em relação ao anonimato, a Constituição garante a liberdade de expressão, mas veda o anonimato. Você pode se manifestar, mas não pode se esconder. O anonimato pode se justificar em algumas situações excepcionais, mas não pode ser a regra. Eu prefiro o posicionamento constitucional brasileiro. Se você estabelece por lei a regra do anonimato, corre o risco de impedir a identificação e a responsabilização dos criminosos. Hoje a quebra de IP só ocorre com ordem judicial.

Você tem que proteger, é preciso ter formas de quebrar isso. As leis atuais cobrem cerca de 95% dos direitos. Os outros 5% nós precisamos dar um jeito de legislar para garantir as questões novas que a internet trouxe, como a neutralidade. Além disso, há situações que exigem uma redação legal nova, como invasão de computador. Isso não é considerado crime porque a legislação está atrasada.

—-Leia mais:Link no papel – 05/3/2012

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