Disputa entre Facebook e Snapchat aquece debate sobre plágio de software

Na indústria de software e serviços, ‘acordo de cavalheiros’ entre empresas permite que ideias e recursos sejam copiados por concorrentes sem complicações jurídicas

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Por Matheus Mans
Atualização:
Com novo recurso no WhatsApp, o mensageiro mais popular do mundo, Facebook tenta desbancar Snapchat Foto: Tiago Queiroz/Estadão

Seja na escola, na universidade ou no trabalho, quem copia o texto escrito por outra pessoa, sem indicar a fonte, acaba mal visto e pode sofrer punições severas. O mesmo princípio poderia ser aplicado para o mundo do software: escrito pelos programadores, o código por trás dos aplicativos é único, como um texto literário. No entanto, definir se um aplicativo foi copiado por um concorrente e provar isso na Justiça pode ser mais difícil do que parece.

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A discussão tem ganhado força com a disputa acirrada entre o gigante Facebook e o Snapchat, que está prestes a abrir capital nos Estados Unidos. Na última semana, o WhatsApp – aplicativo de propriedade do Facebook – ganhou um recurso que permite aos usuários publicar fotos, vídeos e GIFs que desaparecem em 24 horas, recurso idêntico ao existente no Snapchat. O app de mensagens não é o primeiro aplicativo de propriedade do Facebook a copiar o recurso. O Instagram lançou uma ferramenta similar em agosto de 2016; logo depois, em novembro do mesmo ano, o Facebook lançou o aplicativo Flash, exclusivo para Brasil, com os mesmos recursos do concorrente.

“Existe uma guerra no segmento de vídeos efêmeros”, resume o analista da consultoria Nielsen, José Calazans. “O Facebook percebeu as possibilidades neste mercado e tenta desestabilizar o Snapchat, para ganhar os seus usuários, já que ele não conseguiu comprar a empresa há alguns anos.” Em novembro de 2013, a empresa liderada por Mark Zuckerberg fez uma oferta de US$ 3 bilhões pelo Snapchat, mas ela foi recusada.

Atualmente, o Snapchat tem 158 milhões de usuários por dia, o que faz do aplicativo uma comunidade pequena perto dos quase 2 bilhões de usuários mensais do Facebook, 1 bilhão do WhatsApp e 600 milhões do Instagram. A Snap – startup dona do Snapchat – é dona da patente de galerias de mensagens efêmeras que, no aplicativo, é chamada de Stories e exibe fotos e vídeos de um determinado período. 

Até o momento, a startup não protestou publicamente contra as imitações do Facebook. Procurada pelo [BOLD]Estado[/BOLD], a empresa não comentou o assunto. E a ausência de uma atitude revela muito sobre o funcionamento da indústria global de software. “É um acordo de cavalheiros”, diz Flávio Stecca, presidente executivo do aplicativo de conteúdo infantil PlayKids – que já foi imitado várias vezes por empresas menores. “O Facebook é dono de patentes que são usadas pelo Snapchat, como a busca personalizada e a linha do tempo. Por isso, é natural que o Snapchat não reclame quando o Facebook usa suas patentes.”

Em comunicado, o Facebook rebate as acusações de plágio, dizendo que apostou em um novo formato. “Da mesma maneira que o Facebook inventou o formato feed de notícias, que agora é usado por diversas plataformas, nós também vemos o Stories como um formato. Esse é simplesmente o nome dado a essa determinada forma de compartilhar.”

O catálogo de patentes do Facebook é bastante superior ao da Snap: enquanto a rede social tem mais de mil patentes, a rival registrou 28 tecnologias até o momento, incluindo a caixa que carrega os óculos Spectacles e o modo de operar a câmera no celular. As patentes são parte importante da estratégia das empresas de tecnologia. O Google, por exemplo, comprou a fabricante de celulares Motorola em agosto de 2011 para tentar frear uma série de processos relacionados ao sistema operacional Android. Ao revender a empresa para a Lenovo, em janeiro de 2014, a empresa manteve as patentes.

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O próprio Facebook já comprou 750 patentes da gigante de tecnologia IBM depois de ser acionado na Justiça por infringir dez criações do Yahoo. A estratégia colocou um ponto final no processo.

Barreira. Segundo especialistas consultados pelo Estado, identificar quando um software é fruto de plágio é muito difícil. “Se for uma reprodução exata do código, uma ação contra a empresa pode ter sucesso”, explica o advogado Ademir Antonio Pereira Junior, sócio da Advocacia José Del Chiaro e especialista em Direito de Internet. “Mas é muito difícil afirmar que é plágio se a interface não é idêntica, pois o software pode apenas ter servido como inspiração.”

Na prática, se o Facebook fosse processado pelo Snapchat, peritos indicados pela Justiça comparariam o código dos aplicativos. “Embora os recursos sejam muito parecidos, o código pode ser diferente”, afirma o professor de ciência da computação da Universidade Estadual Paulista (Unesp), Eduardo Morgado.

Caminho. A Snap já dá sinais de que está se transformando em uma empresa diferente para ficar menos dependente do recurso que tornou o Snapchat famoso. No início de fevereiro, ao divulgar suas informações financeiras no processo de abertura de capital – que deve ocorrer em março –, a Snap definiu-se como uma empresa de câmeras. Isso aconteceu quatro meses após o lançamento do Spectacles, óculos com câmera para filmar vídeos curtos e publicar direto no app.

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Para o diretor executivo do Instituto de Tecnologia do Rio (ITS-Rio), Fabro Steibel, o Snapchat terá que inovar mais do que nunca para sobreviver. “É agora que o Snap terá que mostrar o seu poder criativo”, afirma Steibel. “As principais transformações vão acontecer a partir de agora.”

O especialista lembra que o Foursquare, aplicativo de geolocalização que introduziu o recurso de check-in em lugares, em 2009, viveu um drama parecido. “O Foursquare era referência em check-in”, diz Steibel. “O Facebook incorporou o recurso e, hoje, poucos lembram do Foursquare.”

Patente. No Brasil, não existe patente de software, mas um registro que dá direitos autorais ao desenvolvedor ou empresa por 50 anos. “O registro de software no Brasil funciona como se fosse uma obra literária”, afirma o diretor interino do Instituto Nacional de Propriedade Intelectual (Inpi), Wagner Latches. “A pessoa registra os códigos do programa de computador.”

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O atual processo é longo e burocrático – demora mais de três meses. É preciso enviar todo o código impresso, por meio dos correios. O órgão armazena os dados de forma inviolável pelo tempo determinado. Quando ocorre um processo de plágio, eles abrem o envelope.

Em breve, porém, o Inpi passará a registrar software de forma digital.

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