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Por dentro da rede

Opinião|É Barlow!

Barlow tinha uma vasta gama de interesses, da academia à contracultura

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Atualização:
John Perry Barlow, durantediscurso em Nova York em 2012 Foto: NYT

Em 7 de fevereiro perdemos John Perry Barlow, um ferrenho defensor dos conceitos fundadores da internet. Era véspera do vigésimo segundo aniversário de sua “Declaração da Independência do Ciberespaço” produzida em 1996, Davos, Suiça, que descreve uma internet ideal, libertária e aberta. Foi também uma reação à emenda da lei de telecomunicações norte-americana, que propunha censura a expressões ofensivas.

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Barlow tinha uma vasta gama de interesses, da academia, incluindo uma passagem pela Universidade de Harvard, à contracultura. Definia-se com um “velho hippie”, foi rancheiro, membro e letrista do Grateful Dead, fundador da EFF (Electronic Frontier Foundation), amante de gatos (perdeu seu gato Buck em 2014), ensaísta e escritor. Visitou o Brasil algumas vezes. Do que escreveu, citaria “The Economy of Ideas”, de 1994. É uma instigante obra que me permite uma historieta. 

Saí da Fapesp em 1996 e mudei-me para a Agência Estado, cujo time ímpar e foco amplo e atrativo incluía participação em eventos semestrais no Media Lab do Massachusetts Institute of Techonology (MIT), então sob a batuta do Nicholas Negroponte. Num desses eventos (em 1998, talvez?) o tema era “ferramentas de proteção à reprodução dos textos jornalísticos”. A internet era o foco, pois era lá que os textos começavam a ser copiados à larga. Durante dois dias ouvimos pesquisadores do Media Lab propondo formas para “marcar” os textos, prevenindo ou identificando cópias indevidas. Sugeriram-se desde sutis alterações no espaçamento de caracteres, adição de assinaturas digitais, até uso de “marcas d´água” invisíveis. Ao final, o contraponto: uma palestra de Barlow. 

Com botas e cinturão de um rancheiro do Wyoming, e a postura de ativista da contracultura dos anos 70, ele nos daria sua visão do tema. “Vocês estão aqui discutindo detalhes desimportantes. O que cada um de nós produz pouco tem de próprio e muito deve ao lido e aprendido. E, com o fim do suporte físico, sem capas, embalagens, garrafas, a intenção de ‘dificultar reproduções da obra’ está fadada à impossibilidade. Tudo serão bits indistinguíveis; não há mais onde colocar etiquetas. Isso não significa que não devamos remunerar, e bem, o autor. O suporte e o intermediário, uma entidade recente, vão sumir. Vejam: quando Bach compunha uma cantata, torcia para que fosse bem recebida e bastante reproduzida, porque isso significaria uma nova encomenda de música, garantindo o seu sustento seu da numerosa prole. Penso que, uma vez publicada a obra, ela passa a ser de todos. O que eu acabo de dizer aqui, passa a ser de vocês e, por favor, disseminem isso livremente e fartamente. Se essa minha apresentação foi bem avaliada, receberei novo convite para outra palestra e, lógico... cobrarei o dobro!”.

Voltando à “Declaração”, em tempos de “local de fala” e hipersensibilidade geral, vale recordar um trecho: “Estamos criando um mundo que todos possam entrar sem preconceitos ou privilégios de raça, poder econômico, força militar ou local de nascimento. Estamos criando um mundo em que qualquer um, de qualquer lugar, possa expressar suas ideias, por mais singulares que sejam, sem medo de ser forçado ao silêncio ou à conformidade. (...) Criaremos a civilização da Mente no Ciberespaço, mais justa e humana do que a que temos hoje!”.

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Oxalá o espírito da internet das palavras de Barlow sobreviva!

Opinião por Demi Getschko
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