E o P2P; MinC?

Grupo de pesquisadores envia à Casa Civil proposta de artigo que descriminaliza a troca de arquivos

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Por Tatiana Mello Dias
Atualização:

No último dia da consulta pública que redefinirá a Lei de Direitos Autorais (LDA), um grupo de pesquisadores enviou uma contribuição diferente à Ministra-Chefe da Casa Civil, Erenice Guerra. No documento não há manifestações de concordância ou discordância, mas o acréscimo de um novo capítulo na lei: o artigo 88-B, que criaria uma licença pública remunerada para legalizar o compartilhamento de arquivos pela internet.

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O artigo foi feito por pesquisadores da UFRJ e do Grupo de Pesquisa em Políticas Públicas para o Acesso à Informação (Gpopai-USP), que criticou a falta de regulamentação sobre troca de arquivos online na nova legislação. O tema, diz o pesquisador do Gpopai Pablo Ortellado, está em discussão há dez anos na comunidade internacional. O Brasil deveria, na opinião dele, aproveitar a revisão da lei para incluir um dispositivo que garantiria a descriminalização da pirataria e a remuneração aos autores cujas obras sejam compartilhadas.

A proposta é a seguinte: os usuários de banda larga teriam um acréscimo de R$ 3 na conta mensal. Segundo o Gpopai, isso geraria arrecadação de R$ 450 milhões ao ano, “quase um ECAD”. “Dinheiro suficiente para remunerar os envolvidos na cadeia produtiva”, diz Ortellado.

Um sistema parecido de licença pública é adotado em outros países do mundo. O alemão Volker Grassmuck, pesquisador do Gpopai, foi quem detalhou como funcionaria a licença brasileira. Para ilustrar, ele volta ao passado: quando os gravadores permitiram às pessoas fazerem cópias privadas em suas casas, o governo alemão embutiu uma taxa de direitos autorais em equipamentos de gravação. Agora, diz Volker, as mudanças tecnológicas pedem outra mudança legislativa. “Há tsunami de criatividade. E, novamente, as velhas regras tornaram-se sem sentido.”

Não há ainda no mundo uma licença pública para o P2P. Mas o Brasil, diz Volker, é o país certo para essa inovação. “A licença certamente irá encontrar resistência feroz. Mas quando os artistas e o público brasileiros decidirem por isso, nada poderá detê-los. O momento é propício.”

Os criadores da proposta de legalizar o P2P lançaram na semana passada o site e uma petição online para pedir a inclusão do dispositivo na reforma da lei.

Não será fácil

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No Brasil, não há nada parecido com o sistema. E a reforma proposta pelo Ministério da Cultura (MinC) não menciona diretamente o ambiente digital. O artigo que mais diz respeito ao tema é o 46, que fala sobre as limitações – casos em que se pode fazer cópias sem autorização ou pagamento. “Vale destacar a introdução do fair use, contemplando usos privados e não-comerciais, e viabilizando digitalização de acervos e usos como o remix e a acessibilidade especial”, diz José Murilo Júnior, coordenador de Cultura Digital do MinC. No texto proposto pelo ministério, o usuário poderia copiar arquivos para fins privados e não-comerciais, para interoperabilidade, remix e preservação, entre outros casos.

Mas isso não é suficiente. Para Guilherme Varella, advogado no Instituto de Defesa do Consumidor (Idec), falta um capítulo específico sobre direito digital. “Seria um avanço que descriminalizaria uma série de práticas”, diz ele. “Por exemplo, se eu escrever um livro e postar no meu blog, há uma licença implícita, e isso não está claro na lei. Eu tenho o direito de copiar obras que o próprio autor colocou na internet.”

A Rede pela Reforma da Lei de Direitos Autorais, composta pelo Idec e dezenas de outras entidades, porém, não incluiu a legalização do P2P entre as contribuições enviadas. “O Brasil ainda não alcançou essa importante discussão”, diz Varella. Segundo ele, a rede optou pelo consenso. Em geral, as entidades como Idec, CTS/FGV e UNE apoiam a proposta, mas pedem mais flexibilidade para cópias com fins educacionais e a redução no prazo de proteção dos atuais 70 para 50 anos. “É essencial. Os acordos internacionais dos quais o Brasil é signatário dão esse teto. O que demanda a mudança é disposição política”, diz Varella.

No geral, a proposta do MinC enfrentou mais opiniões contrárias do que a favor. No total, foram 7.863 contribuições à consulta, que aconteceu em uma plataforma WordPress adaptada pela coordenação de Cultura Digital do MinC. O processo foi semelhante à consulta do Marco Civil da Internet, mas a participação foi mais selecionada – só foram aceitos comentários com CPF. “Houve um clima de maior embate, o que demandou maior controle”, diz José Murilo.

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O governo ainda não fala sobre os resultados e diz que qualquer afirmação é “precipitada”. José Murilo diz que acompanhou de perto a “complexa engenharia operada pelos colegas responsáveis pela construção da proposta” e sabe “da dificuldade em contemplar todas as perspectivas”. Ele afirma concordar com a inclusão de um mecanismo de regulação do P2P e a redução do prazo de proteção para 50 anos e espera que os “críticos tenham se mobilizado para fazer valer esta visão mais avançada”. A briga ainda vai longe – e tem pelo menos até o final do ano para terminar, quando o projeto deverá ser enviado ao Congresso.

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Menos ou mais?

O grupo Transparência HackDay reinterpretou a base de dados da consulta. Analisando os comentários – divididos por “concordo”, “concordo com ressalvas” e “não concordo” – os hackers perceberam que a oposição “gritou numericamente”. As cinco pessoas mais ativas fizeram 650 comentários, ou 11% do total; destes, 627 eram contrários à  proposta. Tudo foi feito num intervalo de 21 horas. Um usuário comentou 120 vezes em duas horas. O primeiro gráfico mostra a opinião por volume de comentários: mais comentários, mais discordância. Acima, do lado direito, a divisão: a maioria quer voltar à legislação anterior. E mais abaixo, linha do tempo que mostra a evolução dos comentários conforme a evolução da consulta.

Legalização do P2P A proposta é que todos possam trocar arquivos pagando R$ 3 por mês

1) Todos os usuários com conexões de banda larga teriam um acréscimo de R$ 3 na conta. O valor poderia variar conforme a velocidade de conexão. A internet discada seria isenta

2) O valor seria cobrado pelos provedores de acesso, que repassaria o extra arrecadado a uma entidade de gestão coletiva

3) O funcionamento seria mais ou menos como é hoje: essa entidade seria responsável por repassar o dinheiro aos artistas conforme a popularidade da obra. Os criadores ficariam com 50% do valor arrecadado

4) Assim, seria possível disponibilizar e baixar conteúdo na web sem infringir direitos autorais

5) A taxa seria obrigatória e já embutida na conta da banda larga. O valor geraria uma receita de R$ 450 milhões por ano

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