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ENTREVISTA DE DOMINGO - Jeanne Holm; arquiteta da informação da Nasa

Por Lucas Pretti
Atualização:

‘Em 20 anos, talvez seja possível conectar de Marte’

 

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Ser astronauta fascina tanto os humanos por chegar na beira do precipício, no máximo possível da condição humana. O que há além? Onde, afinal, estamos? Não há dúvidas de que há muito ainda a explorar. A Nasa, agência espacial norte-americana, encontrou no ciberespaço o jeito de unir as pessoas em torno do espaço – e de tentar fazê-las colaborar pelo futuro da ciência. São “apenas” 95 perfis em diferentes redes sociais (Facebook, Twitter, Flickr, etc.) conversando com as pessoas, mostrando novidades. Por trás disso tudo há a arquiteta da informação Jeanne Holm, que o Link escolheu para estrear, aqui no site, a Entrevista de Domingo.

Jeanne esteve no Brasil na semana retrasada para a Global Make Conference, evento sobre gestão do conhecimento realizado em São Paulo. Falou sobre o futuro da colaboração e da governança na web, “astronautas virtuais”, internet interplanetária e a primeira “twittada” do espaço.

Se 1969 fosse hoje, assistiríamos a chegada do homem à lua pela internet, por streaming, ao vivo? Sim, sim. Temos tecnologia de streaming no site da Nasa desde 2003. Transmitimos do espaço. Na verdade não é exatamento ao vivo, porque há limitações físicas. Da Lua, por exemplo, temos um atraso de quatro segundos em relação à imagem original. Perto do Sol chega a meia hora. Mas conseguimos chegar realmente bem longe. Nossa nave que circunda Marte, por exemplo, está dotada de internet, o que facilita a comunicação e já faz avanços no sentido de uma internet interplanetária. Estou bem envolvida neste projeto. Em dez, 20 anos, quando tivermos talvez uma base no solo de Marte, será possível acessar a internet de lá. Mas isso é futuro.

Astronautas conseguem acessar a web na Estação Espacial Internacional ou em espaçonaves? Tanto é que outro dia houve o primeiro post no Twitter feito no espaço. Mas também há algumas limitações ainda, de banda e de tráfego máximo de dados por determinado tempo. É muito caro. O que queremos no futuro com a internet fora da Terra é fazer alguém ter a experiência ao vivo, real, instantânea de andar pela Lua enquanto está num mundo virtual como o Second Life. A pessoa veria exatamente o que há na frente, mas por um simulador que não se basearia em dados gravados, e sim na transmissão ao vivo. Pessoas comuns poderiam explorar a lua tanto quanto cientistas, o que abriria um novo capítulo no compartilhamento e acesso a informações científicas.

O que as pessoas dizem a astronautas pela internet? A pergunta número 1 é: “Como você faz para fazer xixi com aquela roupa?” (risos). Depois fazem questões básicas: “Como é estar no espaço?”, “Você realmente flutua livremente?”. Mas fico cada vez mais impressionada com a riqueza técnica de algumas perguntas, de pessoas que sabem realmente sobre o que estão falando, muito bem informadas, com grandes ideias.

O engajamento da Nasa em redes sociais mudou muito desde a posse de Obama? Muito. Já tínhamos uma filosofia aberta, open source, de compartilhamento, transparência, e a diferença é que essa política agora virou prioridade. Com Bush era mais difícil, não tínhamos tantos canais de comunicação com os cidadãos porque ele estava focado em outras coisas, como o Iraque, segurança interna, etc. Com obama é maravilhoso porque o estímulo à colaboração é muito grande e inédito. Vi que o Brasil todo parece ter essa filosofia aberta no governo, que apoia o Creative Commons por exemplo. Isso é ótimo porque cria conversa, links entre governos. Nos Estados Unidos, o que ocorreu foi nos perguntarmos como poderíamos levar da forma mais rápida possível a informação às pessoas, ouvir o que elas têm a dizer e só então fazer mudanças. A ideia é que o cidadão transforme o governo da forma que ele acha correta.

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Mas o que significa isso tudo na prática, na Nasa? Significa que estamos onde estão os cidadãos — no Facebook, no LinkedIn, no Twitter, apostamos muito também na educação pelo Second Life (veja no www.nasa.gov). Estamos nas mais diferentes redes sociais e ouvindo o que eles querem dizer, não apenas coisas relacionadas a trabalhos já realizados, mas suas preocupações reais. Aquecimento global é uma das principais, as pessoas realmente estão ligadas nisso. Então procuramos melhorar os canais de acesso a informações sobre clima e meio ambiente. Mas, claro, isso requer que as pessoas venham para a rede. É só elas perceberem que ali estão as respostas e o caminho para suas questões.

Quantas pessoas gerenciam os 95 perfis em todas as redes sociais? São poucas, isso já faz parte do dia-a-dia do trabalho de quase todos os setores da Nasa. Na verdade temos apenas quatro pessoas o tempo todo preocupadas com isso. Nos interessa o relato particular de cada cientista, astronauta ou funcionário baseado em escritório, é a informalidade na comunicação o que buscamos. Se pensarmos assim, temos mais de mil pessoas envolvidas, mas elas fazem tudo ao mesmo tempo em que trabalham. Apenas interagem e mostram o que estão fazendo, respondem perguntas, colaboram. Queremos que todos na Nasa sejam a voz da Nasa e possam lidar diretamente com o feedback dos cidadãos.

Governos do futuro serão completamente colaborativos? As pessoas vão realmente tomar grandes decisões pela internet? Acho que as pessoas terão mais e mais voz em todas as decisões. Antigamente tínhamos governos representativos, em que elegíamos alguém que dotávamos de poder para tomar as decisões e governar por nós, alguém em quem confiássemos. Hoje estamos caminhando para um momento em que percebemos que essa pessoa não tem razão sobre tudo – nem pensa exatamente como o povo em todos os casos. Wstamos na transição de um governo “para” o povo para um governo “do” povo. Isso está mexendo com os governos do mundo. Por isso Obama é tão importante neste momento da história, de encontrar o modo ideal de as pessoas participarem do governo.

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Transparência pode ser perigosa em algum caso? Deve haver um equilíbrio entre transparência e segurança. Sou uma pessoa feliz por trabalhar em um local em que não se restringe informações que sempre deveriam ter sido públicas – pesquisas científicas, dados físicos, exploração do espaço. Mas somos muito preocupados com segurança também, claro. Nossos dados confidenciais são realmente muito protegidos. Mas esses dados são a menor parte de tudo o que fazemos na Nasa. Para todas as outras questões, nosso problema é “como falar sobre isso com o público geral”. Precisamos de um jeito fácil, entendível, para que possamos receber o retorno de comuncação esperado. Fora dados confidenciais, também não compartilhamos aqueles demasiadamente técnicos, pela questão óbvia de que pouquíssimos entenderiam. Na verdade, encaramos a exploração espacial e o trabalho da Nasa como uma questão da humanidade, que diz respeito portanto a todas as pessoas. A estação espacial é internacional, muitos dos foguetes também são de propriedade da ONU, queremos que todos na Terra colaborem com esse conhecimento. Isso rege nossa política de transparência.

Que tipo de informação deve ser gratuita na internet? Todo tipo de informação deve ser gratuita na internet – notícias, musicas, relatórios científicos, filmes, outros tipos de conteúdo. Ainda precisamos encontrar uma maneira de remunerar artistas, jornalistas e outras pessoas criativas, mas não faz sentido restringir o acesso. Claro que este é um ponto de vista governamental, de alguém que está no governo lidando com informações públicas. Mas adoraria que o governo decretasse: “Vamos liberar as notícias de graça para todos”. Isso traria muitos problemas com a indústria de comunicação, claro. Informações de governo, com certeza, devem ser liberadas. E são. Temos uma quantidade absurda de dados sobre meio ambiente, estilo de vida, ciência, história. Em serviços como o Google Maps e o Google Earth, mapas são acessíveis, informações sobre ônibus, metrô, trânsito, tudo. A questão é como as pessoas criativas farão para usar tudo isso junto com o governo.

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