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Feio; sujo e surreal

Alguém manda uma foto. Outro responde com uma montagem. Mais um remixa a primeira foto, que pode ser pornográfica, fofa, escatológica, nonsense ou maluca. Onde isso acontece? No 4Chan

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Por Redação
Atualização:
Ilustração de Fernando Bueno e infotipográfico de Jairo Rodrigues publicados na edição do Link de 19 de abril de 2010,  que teve o 4chan na capa. 

Ao chegar ao País das Maravilhas, Alice encontra o Gato Sorridente e o Chapeleiro Maluco e convive com o risco de perder a cabeça. No 4chan, o País das Maravilhas da internet, é igual. Por ali circulam gatos em motos invisíveis e um chapeleiro maluco próprio: RickRoll, topete e ombreiras sempre às ordens. E o risco do mau-gosto, da ilegalidade e da pornografia vive à espreita.

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O 4chan é um conjunto de fóruns de imagens sobre temas que vão de literatura a origami, passando por nichos obscuros de pornografia. Alguém posta uma imagem, criando um tópico. E outras pessoas comentam com texto ou outras imagens. O fórum mais popular é o random (apelidado de /b/), onde vale tudo, de memes inofensivos, como os LOLcats, a planos de ataque a sites como o YouTube.

As postagens nesses fóruns são frequentemente bizarras e até ilegais. E o grande suporte desse submundo é a ausência de registro histórico. Há um limite de páginas para cada fórum (10 tópicos). Uma vez atingido, mensagens antigas são apagadas.

Existe moderação, sim, mas ela passa batido no turbilhão de posts. Christopher Poole, mais conhecido como Moot, criador e moderador da comunidade (leia na pág. 2), diz, no blog oficial, que isso faz parte do plano: “A moderação deve ser raramente percebida; seu propósito não é influenciar a discussão, mas garantir que ela fique focada”. E foco não falta aos usuários do 4chan. Quando decidem que algo é engraçado demais para ficar restrito a poucos, o novo brinquedinho é linkado e relinkado. Vídeos disparam em visualizações e viram memes imortais.

O resultado é tão efetivo que seu criador, Moot, acabou eleito uma das 100 pessoas mais influentes do mundo pela revista Time, no ano passado. E a mais influente de 2008 (em uma votação adulterada, é claro). Sua fama vem de feitos alcançados pelos anônimos do 4chan. Em 2008, com um simples boato de que Steve Jobs havia sofrido um ataque cardíaco, eles derrubaram as ações da Apple.

Piadas e mentiras que se espalham pelo mundo são só uma faísca dentro do 4chan. Lá os detalhes são escrutinados e transformados em intermináveis séries de foto-montagens e referências obscuras que passam a fazer sentido apenas aos /b/tards (/b/tardados, frequentadores do /b/).

Enquanto todos riem da voz grave e desajeitada de “Chocolate Rain”, os /b/tards estão associando ao vídeo imagens de Darth Vader. Ou fazendo os Beatles lutarem com sabres de luz. Ou substituindo a cabeça de Jesus Cristo pela de um velociraptor.

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O sucesso do 4chan contraria os rumos da web como a conhecemos. Enquanto a onipresença digital virou regra, o site vive do anonimato. Não há briga por copyright: todas as imagens publicadas viram domínio público.

Outro paradoxo é a ausência de registros. Ele surgiu por um impedimento técnico – posts demais para servidores de menos. A solução foi a mais simples possível: apague o que está velho. Esse limite acaba obrigando os usuários do 4chan a usar a boa e velha memória e moldou a forma como o fórum funciona. Qualquer um pode virar especialista em qualquer tema com alguns cliques nos sites certos, mas não no 4chan. É preciso ter estado ali para saber o que aconteceu, para entender as piadas.

O 4chan está fora da categoria de navegação sadia a que estamos acostumados, mas o fato de o seu criador ser celebrado em palestras nas principais instituições americanas (Yale e MIT – ele até deu uma palestra no evento TED) indica que algo extraordinário está acontecendo ali. O site contesta as regras do cotidiano da internet: é, sozinho, a antítese do Google (se não há arquivo, não há busca), das redes sociais (ninguém sabe quem você é ou onde está) e dos blogs (por todos os motivos já citados).

Ao mesmo tempo, reafirma os preceitos da web ao dar voz e espaço aos segmentos mais especializados, sejam eles hobbies ou fetiches. E permite que até os mais desajustados encontrem seus pares. E que, mesmo anônimos, se identifiquem.

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