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Por dentro da rede

Opinião|Força bruta e elegância

Há algo que falta no cerne das máquinas, o que nos distingue delas: ética e consciência

Atualização:

Os mais antigos lembrarão dos tempos em que as capacidades de processamento e de armazenamento de computadores eram escassas. Em 1965 Gordon Moore, fundador da Intel, prognosticou que a cada ano (prazo revisado depois para 18 meses) o número de transistores num “chip” dobraria. Grosseiramente, compraríamos o dobro de capacidade pelo mesmo custo. O surpreendente é que, apesar de alertas sobre interrupção da taxa de crescimento devido a limite físicos, o ritmo ainda está mantido. 

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Desde o anúncio da “hipótese de Moore” houve um fator de cerca de 50 milhões no número de transistores que pode ser integrado em um “chip”. Fartura é aparentemente sempre bom, mas há contrapontos. 

No caso da Internet, por exemplo, a fartura de informações emitidas e disseminadas por todos trouxe um aumento enorme em notícias falsas, fraudes e riscos à privacidade. Armazenamento ilimitado e barato despreocupou-nos de guardar dados importantes de forma recuperável no futuro. Afinal, que parcela das infinitas fotografias que tiramos hoje resistirão, digamos, por uma década? A relevância de um documento, associada à durabilidade do meio, fez com que pergaminhos sobrevivessem milhares de anos e nos trouxessem o que pensavam os antepassados. Qual será a taxa de sobrevivência dos documentos de hoje, se os associamos a meios de armazenamento com vida efêmera?

Voltando aos “velhos tempos” da computação, a escassez instava o programador a usar cada bit, cada ciclo de processador, da forma mais eficiente possível. Com isso em mente, a “arte de programar” associava à técnica elegância e economia. A fartura leva à despreocupação. Afinal, se a máquina for suficientemente rápida, o programa não necessita ser apurado em termos de desempenho. Se há espaço ilimitado e barato, o tamanho que ocupará não importa muito (e, afinal, se ficou grande demais para caber na versão atual do equipamento, é só fazer a atualização para o novo modelo, que nem é tão mais caro assim): mais um estímulo à obsolescência... Ainda tenho (e funciona!) uma máquina fotográfica de 50 anos atrás, mas a carcaça dum telefone celular de 10 anos é um fóssil absolutamente inútil.

Houve também influência nos caminhos da Inteligência Artificial. Se antes a abordagem tendia a ser de “ensinar” a máquina a emular o que um humano faria, hoje, com a capacidade de processamento existente, pode-se simplesmente codificar um algoritmo simples e deixar que a própria máquina aprenda, evolua e altere esse algoritmo inicial pela “experiência” que adquire de seus “erros” e “acertos”. 

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Ou seja, estabelecidas as regras básicas para uma aplicação, a máquina “deduzirá”, por experimentações sucessivas e evolução, seu comportamento e, eventualmente, derivará daí sua própria “ética”. Como trazer essa “ética” artificial para algo que seja familiar aos valores humanos é o busílis da questão. Dirigir um automóvel, julgar um réu, aumentar a produção de uma indústria são atividades que se beneficiam tremendamente do acesso e processamento rápido de quantidades imensas de informação, mas será que isso basta? 

Há algo que falta no cerne desses desenvolvimentos: aquilo que (ainda) nos distingue das máquinas: ética e consciência. Buscaremos um fim, um objetivo, que esteja acima do simplesmente “barato, prático e eficiente”?

Opinião por Demi Getschko
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