Gênio; sim. Do mal?

Steve Jobs revelado: veja perfil do CEO da Apple a partir de depoimentos de quem trabalhou com ele

PUBLICIDADE

Por Redação Link
Atualização:

Talvez não exista no mundo outra empresa tão descompromissada e ao mesmo tempo poderosa quanto a Apple, cujo fundador, despótico e muitas vezes doente, dita não só o que compramos – mas como vivemos. Estava quente no estádio de Stanford. Os estudantes tinham bebido, gargalhavam, por isso levou um tempo até entenderem que lá na frente um ícone do mundo ocidental subia à tribuna para dar um depoimento.

PUBLICIDADE

Ele seria tímido, diz quem o conhece. Só se manifesta quando tem algo para vender. Um novo telefone (iPhone), algo plano e maravilhoso (iPad), um novo meio publicitário (iAd), ou quando comunica, como no mês passado, novo lucro recorde: US$ 3,07 bilhões, no mais recente trimestre, 90% a mais do que no mesmo período de 2009.

No mais, ele se cala e exige silêncio de todos que o cercam. Inexplicáveis são as razões que o levaram a admitir, naquele dia de junho, em Stanford, o que o move, o que teme, o que pensa. Só lá, nesta vez e nunca mais.

Ele queria contar três histórias, somente, “no big deal”, disse Steven P. Jobs, barba e óculos, cabeça erguida, beca preta. Três histórias, nada demais.

A primeira história trata de ligar pontos, disse Jobs, e contava como sua mãe o deixou para adoção, como foi adotado, como largou a faculdade, como caminhava quilômetros por um prato de sopa. Até encontrar um amigo e ter uma ideia.

A segunda história abordava o amor e a perda. Jobs disse que aos vinte anos encontrou o que amava, a Apple, a obra da sua vida, e que aos trinta foi demitido. Porém, continuou atuando no mundo dos computadores, por amor. “Às vezes, a vida atinge você com uma pedra”, disse, “não perca a fé, a única forma de ter um desempenho grandioso é o amor pelo que faz”.

Isso foi poesia? Talvez ética? Psicologia de cozinha? E a terceira história? Trata de vida e morte. E é contada mais adiante.

Publicidade

Jobs tem vários rótulos. Guru, gênio, ditador e dominador.

Pois Steve Jobs é considerado diabólico, como um sociopata. Fama que fez por merecer. Isso fica claro logo que adentramos seu mundo. A Apple, originalmente uma empresa de computadores e hoje uma potência do entretenimento eletrônico, é um empreendimento forte como poucos e, ao mesmo tempo, com fraquezas, que, perante sua força, chegam a ser bizarras.

Jobs criou uma marca que é ao mesmo tempo alternativa e tendência, sonho de todo publicitário. A Apple domina o mercado mundial da música online, conquistou o mercado de tocadores e de smartphones: 8,75 milhões de iPhones foram vendidos no último trimestre. O iPad, mix de telefone e laptop, foi histericamente festejado nos EUA e é aguardado com o mesmo entusiasmo no resto do mundo.

A Apple é talvez único empreendimento do mundo que há décadas tem uma fanática torcida, milhões de pessoas para as quais é sinônimo de estilo.

PUBLICIDADE

A New York Magazine chamou Jobs de “iDeus”. No lançamento do iPad, a Economist o mostrava Jobs como um ícone católico.

Toda essa loucura tem muito a ver com design. Os produtos Apple são sóbrios, simples, descompromissados. Tem a ver com coragem. Poucas empresas pensam tão grande quanto a Apple. Provavelmente nenhuma renovou seus princípios com tanta frequência e profundidade.

Agora a Apple lança o iPad, o tablet com dimensões semelhantes às de uma folha A4 e espessura de um dedo. Há mais de uma década os concorrentes tentam lançar esse produto. Todos fracassaram. Mas o iPad é chique, cool e rápido. É a conhecida máxima: pegar uma ideia disponível e vesti-la de tal forma que as massas a consumam.

Publicidade

Tudo isso tem muito a ver com tempo e estilo, como queremos viver. Um iMac no escritório, um Macbook quando em trânsito, um iPad para consumir cultura e um iPhone para conectar os eternos adolescentes: é dessa forma que o ser humano do século 21 quer se ver e ser visto, o que já ocorre há muito tempo em Nova York, Tóquio, Londres, Berlim ou Hamburgo. Isto transforma Steve Jobs, hoje com 55 anos, no filósofo do século 21.

Pois Jobs, o sedutor em sua beca preta e jeans, cabeça erguida e óculos de metal, é o homem que define como queremos viver: ele impõe o que podemos ter e nos convence de que é isso o que queremos. Ele alterou o consumo das massas e mudou estilos de vida e, portanto, a cultura.

Em altaLink
Loading...Loading...
Loading...Loading...
Loading...Loading...

Estará Apple se tornando a empresa mais influente do mundo?

A primeira vez que Jobs faltou no trabalho foi em 2004. Estava com câncer no pâncreas. A operação iria salvá-lo, disseram os médicos, ele viveria, no mínimo, mais dez anos. Mas Jobs hesitava, o papa da tecnologia não confia na medicina tecnológica. Zen budista e vegetariano, preferia métodos alternativos. Por nove meses adiou a operação, enquanto o conselho discutia a necessidade de informar aos acionistas sobre a doença e os métodos de tratamento. Mas o conselho administrativo é composto de pessoas que veneram Jobs. Eles não disseram nada.

Em julho de 2004, Jobs foi operado. No dia seguinte, escreveu um e-mail aos colaboradores: esteve doente, com risco de vida, mas agora estava curado.

Cinco anos mais tarde, ele faltava novamente. Precisava de um novo fígado, que, obviamente, recebeu rápido. De um jovem que, aos 20 anos, morreu em um acidente de carro, como diz Jobs. Em meados de 2009, estava de volta ao seu reino, fazendo de conta que tudo estava como antes, mas não estava.

Jobs fazia falta e a Apple era uma coleção insegura de jovens. Se a empresa tiver que prosseguir sem ele, diz Andy Hertzfeld, o ‘mágico do software’, ela se tornaria melhor, pois seria menos temperamental e mais planejada. A Apple poderia reaprender algo como humildade, depois de um tempo.

Publicidade

O chefe, normalmente, não gosta de falar sobre si, muito menos de suas fragilidades.

Porém, naquela ocasião, em Stanford, quando se dirigia aos estudantes e fazia um discurso que parecia uma confissão, ele contava finalmente a sua terceira história. Sobre vida e morte.

Quando jovem, disse Jobs, ele leu a citação: “Se você vive todo dia como se fosse o último, um dia você terá razão”. Desde então, ele se pergunta se faz o que quer, como se fosse seu último dia. E caso a resposta for não, é preciso mudar algo.

Ele engoliu e continuou falando, que há um ano, às 7:30 esteve em um médico, o diagnóstico: câncer de pâncreas, incurável, três a seis meses de vida, “ponha as suas coisas pessoais em ordem”, disseram os médicos. “Eu vivia com o diagnóstico, naquela noite ainda faria uma biópsia”.

Os médicos examinaram o tumor e choraram. Uma operação poderia talvez salvá-lo, ele seria uma rara exceção, disseram eles.

Existe uma moral? Sempre há uma moral. “O tempo de vocês é limitado, não o desperdice vivendo a vida alheia, não se deixe limitar por dogmas, que são resultado do pensamento de outros. Não deixe que o barulho das vozes de outros sufoque a sua voz interna. O principal: siga seu coração e sua intuição, eles sabem o que você realmente quer ser.”

E, finalmente, encerrou o depoimento, com as seguintes palavras: “Continuem famintos. Continuem tolos.” /TRADUÇÃO DE HARALD WITTMAACK

Publicidade

Continua:1. O fundador: Steve Wozniak2. O mágico: Andy Herzfeld3. O artista: Harmut Esslinger4. O inimigo: John Sculley5. A mulher que entende o homem: Pamela Kerwin6. Os soldados: David Sobotta

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.