Mercado de drones cresce sem lei no Brasil e indústria nacional fica para trás

Uso civil dos veículos aéreos não tripulados cresce no Brasil, mas legislação demora a chegar e fabricantes brasileiros ficam no prejuízo; diversos modelos importados já operam no País e são vendidos até em lojas da rua Santa Ifigênia, em São Paulo

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Por Murilo Roncolato
Atualização:
 

SÃO PAULO – Pequenos robôs com hélices que obedecem comandos por controle remoto e chegam com facilidade a 500 metros de altura. Esses são os drones ou os “veículos aéreos não tripulados” (Vant). Apesar de a categoria ser antiga e bem conhecida dos aeromodelistas, modelos mais baratos, eficientes e com câmeras acopladas se tornaram muito populares nos últimos cinco anos entre o público em geral.

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A moda também pegou no Brasil, mas a ausência de regulamentação específica, além de gerar insegurança entre os usuários, congela a indústria nacional que tenta acompanhar o avanço da tecnologia.

“Temos que comprar tudo de fora e não temos regulamentação. Conclusão: a pouca indústria nacional que sobra só tem cabeças-dura, como eu”, diz Ulf Bogdawa, diretor da Skydrones, com sede em Porto Alegre.

O empresário afirma que é impossível chegar ao mercado com preço competitivo, disputando com marcas como a chinesa JIP Innovations (dona dos Phantom, modelo mais popular do mundo hoje), a francesa Parrot (famosa pelo AR Drone), a americana 3D Robotics ou a alemã Mikrokopter.

Sem chances de concorrer, os fabricantes nacionais apostam em modelos voltados para usos profissionais, como na agricultura, construção e defesa, oferecendo produtos para a polícia e as Forças Armadas.

Não há regulamentação na Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) para uso comercial de Vants. Só são permitidos voos experimentais ou para fins de esporte e lazer, seguindo normas de aeromodelismo.

“O orçamento da Defesa no Brasil já é pequeno. Disso, uma pequena parte é investida em drone. Ou seja, não dá para viver disso”, conta o engenheiro Rodrigo Kuntz, ex-funcionário da Embraer que hoje dirige a BRVant, fabricante baseada em Mogi das Cruzes.

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Por meio de associações, a indústria tem exercido forte pressão sobre a Anac para a criação de normas. Baseando-se em países como Austrália, Canadá, Inglaterra e França, que já se adiantaram na questão legal, foi enviada uma proposta dividindo o setor por categorias e pedindo prioridade a drones com peso menor que 25 kg. Para estes, reivindica-se a isenção da licença de operação.

A Anac informou ao Link, por meio de nota, que ouviu o setor e a sociedade civil e atualmente a proposta “se encontra em fase de finalização da análise jurídica”. Depois disso, o texto segue para audiência pública e deve ainda voltar para aprovação final. O processo deve acabar no fim deste ano, calcula-se.

“Na verdade quem está travando é a Anatel”, diz Bogdawa. “Os drones funcionam em uma faixa de radiofrequência. É ela que tem que definir qual pode ser utilizada. Por isso não existe equipamento homologado para uso profissional no Brasil.”

A Agência Nacional de Telecomunicações afirmou, também por meio de nota, que aguarda decisão da União Internacional de Telecomunicações (UIT) para definição das faixas que serão adotadas mundialmente. “O assunto deve ser concluído no próximo encontro mundial em novembro de 2015, na Suíça”, informou, acrescentando que há uma “tendência” que aponta para a faixa de 5.030 MHz a 5.090 MHz.

“Somos fabricantes com endereço e não conseguimos vender. Enquanto isso, tem centenas de drones entrando ilegalmente no País e muita gente comprando. Se o drone cair na cabeça de alguém, a Anac vai reclamar com quem?”, diz Bogdawa. “A falta de legislação só atrapalha a indústria nacional.”

Pesquisa de 2013 da Associação Internacional de Sistemas de Veículos Não Tripulados calcula que o uso de drones nos diversos setores da indústria pode gerar um impacto positivo de quase US$ 14 bilhões em três anos. Até 2025, estima-se a criação de 100 mil novos empregos.

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A falta de regulamentação não tem impedido o uso nem as vendas de drones mais leves (considerados “brinquedos” pela indústria). Na região da rua Santa Ifigênia, em São Paulo, as aeronaves são vistas em poucas lojinhas, custando de R$ 2 mil a R$ 6,5 mil. Uma delas se destaca. No ramo dos drones desde 2011, a DroneMania revende drones da Parrot e DJI, mas sua maior receita vem mesmo da assistência técnica.

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“Fui para Miami e fiz uma semana de treinamento. Como sou dos poucos a oferecer assistência, acabo recebendo serviços do Brasil todo”, conta o técnico em eletrônica Marcos Rodrigues Junior, de 43 anos, exibindo 11 drones embaixo da mesa que aguardam orçamento.

Consertar drones é trabalho com clientela garantida. O “hobbysta” Bruno Paquola garante: brincar com drone é saber que vai quebrá-lo. “Cai todo dia. Por isso, além de ter o drone, você tem que ter reservas de baterias, hélice, motor.” Eric Bergeri é um dos donos da iDrone.TV, empresa que oferece serviços de foto e vídeos aéreos. Baseado em São Paulo, Bergeri alugava helicópteros. Ao passar a usar drones, em 2011, o custo caiu e a procura aumentou.

Longe dali, em Cascavel, interior do Paraná, Rodrigo Piana também oferece serviços de filmagem com drones. Mesmo distante das capitais, ele garante que há bastante procura. “Agora qualquer produção com orçamento mais baixo já está usando.” Piana diz que tem visto muitas pessoas usando drones, mas “sem muita responsabilidade”. Ele teme que a Anac se baseie em casos negativos e faça uma regulação mais rígida.

O gerente de vendas Marcel Araújo descobriu por acaso que em São Paulo alguns “hobbystas” levantam voo durante a semana em frente ao estádio do Pacaembu. Lá, estreou o seu Phantom 2, comprado por US$ 800 nos EUA, que caiu logo de primeira e quebrou uma hélice. Por sorte, não feriu ninguém. “Morro de vontade de fazer vídeo na avenida Paulista, mas tenho receio. Além da quantidade de pessoas, alguém pode roubar ou um carro passar em cima.”

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