Mulheres buscam mais espaço e diversidade no mercado de tecnologia

Novo livro de Walter Isaacson resgata precursoras da tecnologia pouco lembradas, em momento em que disparidade salarial e numérica entre os gêneros entra no foco de empresas como Google e Microsoft

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Por Ligia Aguilhar
Atualização:
 

SÃO PAULO – Foi pelas mãos de uma mulher que o primeiro algoritmo para computador foi escrito, no século 19. Foi ideia de uma atriz de Hollywood o sistema que serviu como base para a criação do celular. Apesar de mulheres como Ada Lovelace e Hedy Lamarr terem tido papel fundamental no desenvolvimento de novas tecnologias, nomes masculinos como Alan Turing e Tim Berners-Lee são os mais reconhecidos.

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As mulheres “esquecidas” pela tecnologia são um dos temas centrais do novo livro de Walter Isaacson, biógrafo de Steve Jobs, Os Inovadores: Uma biografia da revolução digital. Lançado semana passada nos EUA, o livro chegará ao Brasil no fim do mês pela Companhia das Letras. A obra põe mais lenha no debate sobre a diversidade na tecnologia, tema que vem sendo debatido à exaustão nos EUA.

O assunto veio à tona quando o Google divulgou em maio um relatório sobre sua diversidade, no qual revela que apenas 30% dos seus funcionários em todo o mundo são mulheres, 2% são negros e 3% são hispânicos. O movimento foi seguido por outras empresas de tecnologia (veja gráfico abaixo).

O Google apontou o baixo número de mulheres que se formam nos cursos de ciência da computação (18%) como motivo para esse cenário. Mas há outras questões em jogo, como o preconceito e a diferença salarial. Segundo o Censo 2010, do IBGE, as mulheres representam apenas um quarto das 520 mil pessoas que trabalham com computação no Brasil. O salário médio delas é 34% menor do que o dos homens. Nos cargos de chefia a situação fica pior. Elas ganham 65% a menos. Já nos EUA os homens ganham em média 24% mais do que as mulheres do setor, segundo o Departamento de Estatística do Trabalho.

Por isso, a fala do presidente executivo da Microsoft, Satya Nadella, que na semana passada disse que mulheres que não pedem aumento salarial têm “superpoderes” e que esse é um “carma bom” que “irá retornar para elas”, soou tão mal.

“Sempre brinco que ser mulher na tecnologia é como ter um holofote na cabeça. Tudo de bom e ruim que você faz, as pessoas sabem. Se você errar, não é culpa sua, é das mulheres que não servem pra isso mesmo”, diz a programadora Camila Achutti, de 22 anos, diretora do Technovation Challenge no Brasil, programa global de incentivo ao empreendedorismo feminino.

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Camila foi a única mulher a se formar em Ciências da Computação na USP no ano da sua graduação e ganhou fama ao criar um blog “Mulheres na Computação” para abordar a questão da falta de diversidade nesse mercado. No blog, ouviu relatos de meninas que se queixavam de piadas dos colegas de trabalho e até da falta de banheiro feminino em uma faculdade.

Após ganhar fama com o blog, ela foi escolhida para participar de um estágio de 3 meses na sede do Google, em Mountain View, na Califórnia. “Nos EUA eles estão discutindo isso (a questão da diversidade) há mais tempo, mas ainda existe uma disparidade quantitativa acentuada. A qualidade do tratamento e conscientização, porém, é totalmente diferente”, diz.

Já a programadora Thamara Hessel não acredita que exista empecilho para as mulheres no mercado. “Tem espaço. É só trabalhar e ponto”, diz.O interesse dela pela área surgiu na infância, da curiosidade de saber como aparelhos eletrônicos funcionavam e do interesse por videogames.”Não tem desenvolvedora que eu conheça que não goste de videogame”, diz. “Acho que a maioria das mulheres não tem a paciência necessária para a profissão, que é a mesma necessária para passar de fase no videogame. Quando você escreve um código, muitas vezes ele não dará certo na primeira nem na segunda tentativa”, diz.

Thamara diz que a disputa por profissionais da área facilita para mulheres encontrar bons empregos e o ambiente predominantemente masculino nas empresas onde trabalha não incomoda.“Acho que o preconceito às vezes surge por os meninos acharem que eu não sei algo. Mesmo que eu diga que já sei, eles repetem como algo funciona de novo. Se isso os agrada, tudo bem”, diz.

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DesinteresseA falta de confiança das mulheres e o medo de assumirem posições de liderança são outros motivos para o desinteresse feminino pela tecnologia. “Quando um garoto se afirma, é chamado de líder. Quando uma garota faz o mesmo, é chamada de mandona”, disse a diretora de operações do Facebook, Sheryl Sandberg, ao lançar um movimento contra o uso da palavra “mandona”.

A engenheira de software do Google, Camila Matsubara, admite que esse tipo de insegurança existe. Ela diz que não teria se candidatado a uma vaga na empresa se não fosse pela insistência de um amigo. “Não tinha muita confiança. Achava que não era meu perfil trabalhar com tecnologia de ponta e parecia um trabalho muito difícil. Mulher tem esse problema de autoestima”, diz ela, que trabalha na empresa há cerca de dois anos.

No Google, ficou conhecida por vencer todos os homens em um campeonato de videogame no qual todos jogavam jogos de luta de olhos vendados. Ela também participa de grupos formados dentro da empresa em prol das mulheres. “Acho que para atrair mais meninas para a área precisamos divulgar mais nosso trabalho e quebrar estereótipos”, diz.

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Negócios

 

No mercado empreendedor, o cenário não é diferente. Uma pesquisa da Universidade Harvard mostra que startups com mulheres na equipe têm 18% menos chance de atrair investimentos.

Luciana Caletti, cofundadora da startup Love Mondays e diretora executiva da empresa, já foi questionada durante conversas com investidores sobre o que seus colegas homens pensam sobre aspectos do negócio. “Já ouvi sobre casos em que investidores deixam para fazer as perguntas mais difíceis para os homens da equipe”, diz.

Para ela não faltam oportunidades no mercado para as mulheres e investidores abertos para conhecer as startups criadas por elas. O desafio é superar”pré-conceitos” que se formam em torno da imagem feminina. “Estive em um evento só para mulheres executivas e, na hora de apresentar o espaço do evento, o mestre de cerimônias comentou que no local havia também um shopping center, onde as mulheres poderiam fazer umas comprinhas depois do evento, como se esse fosse nosso único interesse”, diz ela, que criou uma equipe mista dentro da sua startup, mas lamenta nunca ter recebido o currículo de uma mulher para as vagas na área de programação.

Para investidora Maria Rita Spina Bueno, esses “pré-conceitos” podem ser mudados com a entrada de mais investidoras no mercado. Ela é cofundadora d o grupo Mulheres Investidoras Anjo (MIA), que busca atrair mulheres para investir em startups no Brasil – atualmente só 5% dos investidores-anjo são do sexo feminino. “Você investe em quem é parecido com você, por isso a diversidade é fundamental”, diz Maria Rita. Para ela, as mulheres ainda são avessas ao risco. “As mulheres se limitam a criar negócios nas áreas sobre as quais elas entendem sem pretensão de que sejam negócios inovadores, de alto impacto e classe mundial. Queremos ajudar a mudar isso”, diz.

 

Já a empreendedora Ligia Zeppelini luta pela inclusão da família no ambiente corporativo. “Enquanto a mulher não tem filho, para ela é tão fácil empreender quanto o homem. Depois da maternidade, ela não consegue mais lidar com as coisas na velocidade que a tecnologia impõe”, diz.

Ligia fechou sua última startup e criou um novo negócio com o marido depois que sua filha nasceu, para não ter que, segundo ela, “terceirizar a educação da filha”. Hoje ela trabalha como mentora de startups eluta para que ambientes de empresas, escritórios colaborativos e eventos sejam adaptados para mães poderem trabalhar na companhia dos seus filhos.

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Ela conta, por exemplo, que em um evento foi conversar com o principal convidado após sua apresentação para fazer uma pergunta. Ao verem que ela estava com a filha no colo, acharam que ela queria apenas tirar uma foto com o convidado.

Por isso, ela está organizando para o fim do ano uma edição do Startup Weekend, evento focado em criar startups durante um fim de semana, para famílias, em um ambiente adaptado para crianças, no qual elas possam participar com os pais da criação de negócios. “Fui a um evento com minha filha e no banheiro não tinha trocador. O recado que passam é que só jovens solteiros podem ter o próprio negócio”, diz. “O mundo não deve ser só de um ou do outro.”

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