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Jornalista, escritor e palestrante. Escreve às quintas

Opinião|O ano da realidade alterada

Em realidade aumentada, ainda estamos na era Pokémon Go. Em virtual, nem isso

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Há pouco mais de dez anos, acompanho o trabalho de Jeremy Bailenson. Em Stanford, a universidade no centro do Vale do Silício, ninguém entende mais que ele a respeito de realidade virtual. Jeremy tem resistido ao canto da sereia das empresas vizinhas e se mantém na academia. Não lhe interessa tanto a tecnologia que fará realidade virtual acontecer. Para ele, não há dúvida. Ela virá, é só uma questão de tempo. O que estuda é como estar num mundo artificial nos afeta. Quer saber qual o efeito em nós.

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Lembro da primeira vez que entrei em um de seus experimentos, numa salinha do McClatchy Hall, onde ainda fica o departamento de Comunicação. Hoje, seu espaço é muito mais generoso. Na época era aquela salinha. Ele me pôs um capacete pesado com óculos grandes, tudo ligado a não sei quantos cabos e, na outra ponta, uns dois computadores, cada um gerando a imagem de um dos olhos.

Fui transportado para outro mundo. Em 2008, Hollywood já fazia efeitos visuais sofisticadíssimos com computadores. Mas aquele mundo no qual eu estava não tinha nada disso. Tudo era caricato, as cores chapadas e os objetos, geométricos, simples. Eu tinha de atravessar uma ponte muito estreita. Se caísse, jacarés. E mesmo consciente de que estava ali, numa sala qualquer acarpetada e genérica do campus, mesmo que os desenhos fossem todos caricatos, deu frio na barriga. Vem uma tensão que a gente sequer sabe de onde vem.

É esta nossa capacidade de reagir ao ambiente artificial e fantasioso, mesmo cientes de que nada acontecerá, que ele estuda. Da última vez em que estivemos juntos, há pouco mais de um ano, ele estava fazendo testes, com o time de futebol da universidade, para simular os adversários. Queria entender se jogadores podem usar estas realidades artificiais para treino. Estava otimista.

No mundo fora da academia, é diferente. Para um professor, o negócio é irrelevante. Para a indústria, o negócio é o objetivo. Quando 2017 começou, havia duas promessas na praça. Duas tecnologias que definiriam o ano. De um lado, inteligência artificial. Do outro, realidades aumentada e virtual. Os assistentes de Amazon, Google, Apple e Microsoft estão se sofisticando a olhos vistos. As caixas de som que trazem para o centro da sala estes ajudantes digitais vendem bem. Já a dupla RA e RV — nada.

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Não faltou investimento, não faltaram demonstrações. Em realidade aumentada, porém, ainda estamos na era do Pokémon Go. E isso é tão 2016. Na realidade virtual, nem isso. Para videogames, é um problema. Embora a tecnologia exista, as pessoas não têm aquilo que Jeremy Bailenson reserva para si: uma sala limpa onde, de óculos, podemos caminhar por um mundo de fantasia sem tropeçar na mesinha ou no sofá. É daquelas coisas caras que acabam encostadas de lado.

Realidade aumentada tem utilidades mais claras. É a capacidade de sobrepor imagens virtuais sobre o mundo real. Um GPS, por exemplo, que ao invés de mostrar o mapa, dispõe as setas sobre a estrada real vista pela câmera do celular. Você nunca mais errará aquela saída por dificuldade de entender a perspectiva. E já faz dois anos que celulares topo de linha já vêm com duas câmeras. Elas não estão ali para que as fotos fiquem melhores, embora o marketing insista nisso. Estão ali porque, com câmeras distintas, o celular compreende profundidade e pode espalhar objetos virtuais com minúcia, no detalhe.

Só o que não vimos, ainda, é o salto da realidade aumentada. Os apps não chegaram. Pois 2018 está chegando. É vai, ou racha. É o ano de ficarem comuns ou, provavelmente, vamos parar de ouvir falar do tema por um bom tempo.

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