O infiltrado

Como um brasileiro ajudou o Partido Pirata Alemão a conquistar cadeiras no Parlamento na Alemanha

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Por Tatiana Mello Dias
Atualização:

Brasileiro que mora na Alemanha desde os anos 90 se uniu aos piratas por causa das bandeiras de arco-íris e foi um dos responsáveis pela campanha política que garantiu ao partido 15 cadeiras no Parlamento na última eleição estadual em Berlim

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Foi durante um protesto nas ruas de Berlim, no ano passado, que o brasileiro Fabrício do Canto descobriu o Partido Pirata. Ex-executivo da área de marketing, morando na Alemanha desde os anos 90, ele estava no último ano de sua década “nômade sabática” quando a política entrou em sua vida. “Cheguei lá, tinha um monte de bandeiras de arco-íris, e eu me senti em casa vendo aquele povo. Me uni a eles”, contou ele. Um ano depois, Canto se tornaria um dos responsáveis pela maior vitória da história do Partido Pirata no mundo. —- • Siga o ‘Link’ no Twitter e no Facebook

Os piratas abocanharam 9% dos votos para as eleições estaduais de Berlim – isso deu a eles 15 cadeiras no Parlamento. Uma vitória que nem eles, nem os políticos tradicionais, imaginariam. Foi o quarto partido mais votado – atrás apenas do Partido Social Democrata, União Democrata-Cristã (CDU) – da chanceler Angela Merkel – Partido Verde e A Esquerda. “A principal força do Partido Pirata nessas eleições foi a transparência, além da insatisfação com a política que está sendo feita aqui”, explica Canto.

 Foto: Estadão

O voto na Alemanha é facultativo. Por isso, a insatisfação com a política provocava uma apatia que se refletia no alto nível de abstenção nas urnas. “As pessoas estavam tão descontentes que mais da metade não ia votar. E o que aconteceu foi que as pessoas vieram votar porque viram uma alternativa diferente.”

O brasileiro naturalizado alemão foi responsável pela campanha política. Foi tudo baseado na web e em cartazes – todos com fotos dos membros do Partido (Fabrício entre eles) e frases como “direito a voto para todos” e “por que eu estou na parede se você não vai votar?”. Foram impressos 12 mil cartazes, e os próprios membros do partido se encarregaram de distribuí-los. “A principal ferramenta de campanha na Alemanha é o cartaz”, diz Canto. Os piratas passaram a semana passada recolhendo o que espalharam pela cidade.

Nestas eleições, o Partido Pirata alemão foi além das questões tradicionalmente abordadas – flexibilização do copyright, direito ao anonimato, liberdade na rede – e incluiu em sua plataforma propostas sociais e de inclusão. Como passagens de ônibus gratuitas e direito universal ao voto. “As pessoas acham que os piratas são pela liberação dos copyrights. Não é assim. Queremos uma nova regulamentação adequada ao nosso tempo. É uma nova forma de se fazer, como foi com o software livre”, explica o brasileiro.

A mudança começa pela simples presença dos piratas no Parlamento – inicialmente vista com descrença e estranheza pela sociedade. Mas a visão pode mudar. “Sempre há partidos novos entrando. Eles quase sempre são ignorados. Nas pesquisas, os piratas sempre ficavam naquela coluna ‘outros’, nunca tiveram uma fatia no bolo da pesquisa. Na primeira vez que passamos os 5% dos votos, ganhamos uma fatia. Mas a cor ainda era ‘cinza’, a mesma dos outros. Agora, em todos os lugares, já há a cor laranja, a cor do partido. Eles estão no Parlamento. Não podem mais ser ignorados”, diz Canto. As eleições em Berlim foram a segunda grande vitória para o partido internacionalmente. Em 2009, o Partido Pirata da Suécia (primeiro do mundo) conseguiu uma cadeira no Parlamento com 7% dos votos.

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 Foto: Estadão

Os piratas de Berlim, diz ele, “ultrapassam pela esquerda”. Embora o partido não se alinhe fielmente a nenhuma ideologia política, essa é a maneira como os berlinenses são vistos – diferente, por exemplo, dos piratas do sul da Alemanha. O que o Partido propõe é um tipo novo de fazer política, explica Canto, que os cientistas sociais chamam de política baseada nos fatos: centrada da opinião direta e na participação.

“É outra forma de dialogar, interessada nos resultados. Vejo os partidos brigando pelo poder, como se fosse uma disputa de posições no mercado político, em vez de discutir como trabalhar com o povo. E nessa questão de transparência e participação eu acho que todo mundo tem a ganhar com o movimento pirata.”

As propostas do Partido Pirata lá foram construídas com um software livre chamado Liquid Feedback, que possibilita discussões e votações em tópicos. A plataforma do partido já foi discutida internamente com essa ferramenta. E, agora, a proposta é usar o software para fazer as discussões com a própria população. O software foi criado na Alemanha, mas já é utilizado por outros partidos piratas do mundo. “É outra forma de lidar com a democracia”, diz o brasileiro.

“O que o mundo não entende é que são pessoas que têm diversão na política, mas é sério. E agora o pessoal que está entrando é qualificado. Estão mostrando que não é brincadeira. E os políticos não estão sabendo lidar”, diz.

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Nômade. Fabrício do Canto vive na Alemanha desde os anos 90. Ex-membro de banda punk, ex-executivo de multinacional e recém-saído de seu período sabático, agora ele cogita trabalhar para o Partido Pirata internacional e não descarta vir fazer política no Brasil. “Os piratas têm essa questão da anonimidade, acesso à informação e competência em classificar e avaliar a informação. Acho que isso seria bem interessante para o Brasil.”

Aqui, porém, ainda há muito o que se avançar. Ele reparou que os brasileiros ainda veem hackers como marginais – na Alemanha, conta, existem até cursos de hacktivismo. “É apenas uma escola para buscar informação. Se o uso é bom ou ruim, essa é outra questão. É ter consciência, e capacitar os jovens para a tecnologia é interessante”, diz.

A entrevista é interrompida pela filha dele, que chega pedindo um beijo e um abraço. Filha de mãe indiana com pai brasileiro, ambos com dupla nacionalidade, a garota tem quatro passaportes. E essa, para Fabrício, é uma “outra forma de viver o planeta”. Como a internet: sem fronteiras geopolíticas. “O Partido Pirata está em 37 países, está se articulando, e tem uma capacidade de gerar informação. Essa eleição vai se refletir na Europa e no mundo”, aposta Canto.

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