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O que as câmeras dentro da Foxconn revelaram

As lições dessa controvérsia têm mais a ver com a China do que com a Apple

Por Redação Link
Atualização:

Escrevi sobre a controvérsia envolvendo Apple, China e Foxconn nesta coluna há algumas semanas, mas houve alguns desdobramentos, alguns progressos e algumas novas revelações.

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A história até agora: no mês passado, o New York Times publicou uma matéria de primeira página com destaque para as condições de trabalho em uma fábrica na China pertencente à Foxconn Technology, onde os produtos da Apple são montados. Os problemas incluíam acidentes fatais e funcionários com problemas de saúde pelo uso de produtos químicos tóxicos que causam danos nervosos. (Apesar de a Apple ser uma espécie de vitrina para a Foxconn, praticamente todos os nosso artefatos eletrônicos são produzidos nas mesmas fábricas chinesas, como a matéria do jornal comentou. A Foxconn também monta produtos para Sony, Panasonic, Samsung, Sharp, Asus, Hewlett-Packard, Dell, Intel, IBM, Lenovo, Microsoft, Motorola, Netgear, Nintendo, Nokia e Vizio. O Xbox, a PlayStation e o Amazon Kindle são fabricados aqui). A matéria provocou uma saraivada de protestos, petições e manifestações.

A Apple respondeu prometendo levar ainda mais a sério a segurança e o bem estar do operário chinês, e contratou a Fair Labor Association (FLA) para pesquisar 35 mil empregados da Foxconn sobre suas condições de trabalho. Os resultados da auditoria serão divulgados no próximo mês.

Por sua parte, a Foxconn respondeu aumentando os salários dos trabalhadores fabris em até 25%.

Para mim, duas novas fontes de luz ajudaram a esclarecer a situação da Foxconn: uma transmissão de TV aberta e um e-mail. O programa “Nightline” da rede ABC foi convidado a visitar as linhas de produção de artigos da Apple na Foxconn. Seu correspondente, Bill Weir, teve autorização para entrevistar qualquer operário, com a câmera ligada ou desligada, dentro ou fora da fábrica.

Na terça-feira, a ABC transmitiu seu relatório. Ele pode ser assistido online [não permitido no Brasil; uma alternativa é assistir no Youtube]

Para mim, o parágrafo de destaque no seu roteiro foi este:

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“Nós procuramos com afinco o tipo de trabalhador menor e mutilado sobre os qual tanto ouvíramos falar, mas encontramos, sobretudo, pessoas que enfrentam seus dias com um tédio esmagador e uma fadiga profunda. Algumas se queixaram de sobrecarga de trabalho, outras de falta de trabalho e quase todas se declararam mal remuneradas. E quando perguntei, ´O que você mudaria?`, ouvi o tipo de queixas que se poderia ouvir em qualquer fábrica de qualquer lugar.”

Francamente, a fábrica mostrada não me pareceu uma dessas “sweatshops” (fábricas que exploram muito e pagam pouco ao trabalhador). O trabalho na linha de montagem era certamente entorpecedor pelo caráter repetitivo – uma mulher lixa as rebarbas de orifícios para o logotipo da Apple no iPad 6 mil vezes por dia – mas essa é a natureza do trabalho numa linha de montagem. Por outro lado, a fábrica é limpa e moderna.

O mais revelador é que a transmissão mostrou 3 mil jovens trabalhadores chineses formando filas nos portões para a sessão de recrutamento matinal de segunda-feira na Foxconn.

Ora, esses trabalhadores já ouviram falar dos suicídios da Foxconn em 2010. Eles sabem que o salário inicial é US$ 2 por hora (mais benefícios, e sem impostos descontados na fonte). Sabem que terão turnos de 12 horas, com intervalos de descanso de duas horas. Sabem que os trabalhadores repousam em dormitórios minúsculos (seis ou oito em um quarto) por US$ 17 mensais.

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E, no entanto, eles estão ali, fazendo fila para trabalhar! Aparentemente, mesmos essas condições, tão abomináveis para nós, são na verdade melhores do que as alternativas desses operários: o trabalho rural extenuante que não os prepara para subir na cadeia alimentar da força de trabalho.

Muitos observadores ficam chocados com o trabalho infantil reportado na Foxconn. Não só essas fábricas chinesas empregam muita gente jovem – a idade mínima legal de trabalho é 16 anos – como, pelo que vimos na transmissão da ABC, todos esses empregados são jovens.

Foi isso também que um ex-executivo da Apple me contou nesta semana: que a Foxconn não é uma carreira. Não se veem chefes de família de 30 e 40 anos nas linhas de montagem. Os chineses jovens a veem como “algo como um primeiro emprego de verão”, ele me disse – uma maneira de ganhar um dinheirinho durante alguns meses antes de ir para casa, ou adquirir alguma experiência de trabalho antes de ascender.

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O segundo lance esclarecedor para mim foi uma nota que me foi enviada por um jovem, nascido na China, que hoje frequenta uma universidade americana.

“Minha tia trabalhou por vários anos no que os americanos chamam ‘sweat shops’. Era trabalho duro. Longas horas, salários ‘pequenos’, condições de trabalho ‘pobres’. Sabe o que minha tia fazia antes de trabalhar em uma dessas fábricas? Era uma prostituta. “As circunstâncias de nascimento são infelizmente aleatórias, e ela nasceu numa região muito rural. A maioria dos empregos era agrícola e em propriedades familiares, e a maioria deles era ocupada por homens. Mulheres e moças, pela falta de oportunidades educacionais e econômicas, tinham de procurar outro ‘emprego’. “A ideia de trabalhar numa fábrica que explore e pague pouco em comparação com esse velho estilo de vida é uma melhoria, na minha opinião. Sei que minha tinha preferia ser ‘explorada’ por um chefe capitalista perverso por alguns dólares do que ter seu corpo explorado por vários homens por centavos. “É por isso que fico incomodado com a ideia de muitos americanos. Não temos as mesmas oportunidades que o Ocidente, Nossa infraestrutura governamental é diferente. O país é diferente. “Sim, fábrica é trabalho duro, Podia ser melhor? Sim, mas só quando a comparamos com esses empregos americanos. “Se os americanos realmente se preocupassem com o bem-estar asiático, eles saberiam que o fechamento dessas fábricas ‘exploradoras’ obrigaria muitos de nós a voltar para regiões rurais e retornar a ‘empregos’ realmente aviltantes. E eu temo que obrigar fábricas a pagarem salários mais altos signifique elas contratarem MENOS trabalhadores, não mais. “Seja como for, agora minha tia está vivendo faz um ano em Nova York depois de economizar dinheiro para uma passagem de avião e um visto, e está muito feliz de ter escapado da Ásia e se reunido com nossa família. Nada disso teria sido possível se não fosse por aquela ‘sweatshop’.”

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Claro, nem todos os chineses pensam assim. O New York Times teve seu artigo traduzido para o chinês e publicado num site noticioso chinês.

Muitos comentários de cidadãos chineses postados nesse artigo foram críticos das condições de trabalho perigosas das fábricas da Foxconn. Alguns diziam que a Apple era a responsável em última instância e devia ser responsabilizada, a mesma posição de grupos de defesa de direitos trabalhistas.

Muitos ocidentais continuam não convencidos disso, também, mesmo do relatório da ABC e a investigação da Apple. “Frontline”, por exemplo, é uma produção da ABC News, que pertence à Walt Disney Company; seu presidente executivo integra o conselho da Apple, e o Steve Jobs Trust é o maior acionista da Disney (para seu crédito, a ABC mencionou esse potencial conflito de interesse na transmissão).

Da mesma maneira, a Apple está pagando à FLA cifras de seis dígitos pela auditoria. Se a companhia que está sendo isentada é a mesma que preenche os cheques, convém suspeitar. E como a transmissão da ABC também assinalou, a Foxconn sabia com antecedência que os inspetores da FLA estavam a caminho, e teve toda oportunidade para apresentar um bom espetáculo para eles (e paras as câmeras da ABC).

Mas o programa também incluiu entrevistas com as famílias empobrecidas de trabalhadores en aldeias rurais, que falaram das melhorias que a presença da Foxconn trouxe para suas vidas. E é difícil esquecer aquelas 3 mil pessoas formando filas por empregos na Foxconn toda segunda-feira.

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Em outras palavras, as lições dessa controvérsia têm mais a ver com a China do que com a Apple. Essa é só marginalmente uma história do setor de tecnologia – eu imagino que poderíamos encontrar empregos cansativos mal remunerados em qualquer fábrica da China, fazendo tudo que a China faz. Cada brinquedo, cada louça, cada peça de vestuário.

Mesmo assim, nós deveríamos ficar contentes de que nesse canto do panorama chinês, as coisas estão melhorando. No programa da ABC, uma inspetora da FLA, Ines Kaempfer, chamou o mês passado de um “momento Nike” para a Apple. Nos anos 1990, as “sweatshops” da Nike não eram as piores do ramo, mas foram as únicas que receberam publicidade negativa.

Em resposta, a Nike limpou sua casa, e com isso melhorou a percepção de todo o setor.

Evidentemente, o recente holofote sobre as condições na Foxconn realizaram um serviço parecido para a indústria eletrônica. Aumento salarial é bom, Um monitoramento mais cuidadoso é bom. A transparência – como permitir que câmeras de TV em suas linhas de montagem – é uma coisa boa.

/ Tradução de Celso Paciornik

* Publicado originalmente em 23/2/2012.

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