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Por dentro da rede

Opinião|Omelete

A rede rompe com práticas convencionais e com nossas formas de relacionamento

Atualização:

Há uns anos, uma das minhas aventuras possíveis e agradáveis era desbravar sebos esperando que algum livro, escondido numa estante empoeirada, me fizesse um aceno promissor... E, claro, havia os “points” preferidos, os mais cheios de ácaros, mas também de surpresas, de onde se saia espirrando e carregando alguns embrulhos. A internet faz a coisa mudar: chegou-me hoje pelo correio um “dicionário de nomes próprios” – sugestão que li em texto do Humberto Werneck neste jornal – e que comprei em um ótimo sítio que reúne sebos na internet. Ah, aproveitei a mesma sugestão e comprei também um dicionário de palavrões e um de termos náuticos.

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Mas são compras programadas: afinal, sei o que queria comprar, bem diferente da romântica alternativa de deixar ao destino a decisão. É também algo impessoal, porque vem de algum sebo “nunca dantes navegado”.

Será isso bom ou ruim para os sebos tradicionais? Por um lado, eles perdem parte da clientela local e fiel; por outro lado conseguem vender livros a um aficionado longínquo e desconhecido. Talvez seja bom! De qualquer maneira, passou a ser assim com a internet. Como em tantos outros casos, a rede rompe com nossas práticas convencionais, com nossas formas de relacionamento e paradigmas.

Pode extinguir modelos de negócio centenários ou, inversamente, tornar viáveis pequenos empreendimentos, antigamente fadados a mirrar por falta de visibilidade e pela distância geográfica que os separavam dos potenciais clientes. Um sebo, com estoque interessante, mas em cidadezinha esquecida, pode repentinamente prosperar por encontrar clientes em outro Estado ou país. A falta de aproximação física, algo que os modernos centros de compra proporcionam, é superada pela aglutinação na nuvem que a rede traz.

Esse, claro, é apenas um exemplo dos riscos e oportunidades que temos, imensos e difíceis de ponderar. O que é inescapável é que essa via não tem retorno. 

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Quando embarcamos na viagem da rede, precisamos nos preparar para formas novas de pensamento e ação, compatíveis com a internet. Não há mais, por exemplo, a extensa proteção geográfica que nossas leis territoriais preveem. Não dá para enquadrar em nossos princípios e conceitos familiares à multiplicidade de culturas, de costumes e, porque não dizer, da moral e ética que existem no mundo. E se a internet nos vale, para o bem, em supressão de fronteiras, isso pode também ser usado pelos que disso se aproveitam com menos escrúpulos. Se eu comprasse um livro de um sebo num outro país, lá no Sebonistão, e ele não viesse pelo correio, a quem deveria recorrer? A resposta é que hoje não há recurso facilmente disponível para isso. Iniciativas que permitam integrar legislações nacionais ou criar um novo pano de fundo para a internet avançam, mas em ritmo compreensivelmente lento. 

Cabe a mim, usuário adulto e que quer se valer das vantagens da rede, fazer as escolher e correr os riscos que me pareçam adequados, sabendo das limitações de alcance que a legislação pátria terá na rede. Se gosto dessa omelete, há que se quebrar os ovos necessários para compô-la. E não adiantará chorar o leite derramado se a receita desandar.

Opinião por Demi Getschko
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