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Pai da internet mira universo

Mais de 40 anos após criar o ‘coração’ da internet,Vint Cerf planeja rede de conexão interplanetária

Por Claudia Tozzeto
Atualização:

BRASÍLIA - Vestido com um terno de três peças, gravata e abotoaduras distintas, o norte-americano Vint Cerf, de 73 anos, parece pertencer a uma outra época. No primeiro olhar, é difícil imaginar que ele é um dos responsáveis por uma das criações mais relevantes do nosso tempo: ao desenhar junto a Bob Kahn o protocolo TCP/IP, que se tornou a base da internet, ele se tornou um dos mais cultuados ícones do setor de tecnologia. Nesta semana, em uma visita ao Brasil, ele recebeu o Estado para uma conversa descontraída sobre o desafio de criar a internet, as principais ameaças à liberdade na rede e sua visão de expandir a internet para todo o Sistema Solar. Confira, a seguir, trechos da entrevista.

 Foto: André Dusek/Estadão

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Qual foi o principal desafio para a criação da internet?

O principal desafio foi fazer a internet funcionar. Em 1973, desenhamos a internet em seis meses. Em janeiro de 1974, eu comecei a trabalhar nos detalhes do protocolo TCP/IP, que se tornou o coração da internet. Tivemos de mexer no protocolo quatro vezes, cada vez consertando novos erros que cometemos (risos). Em 1978, padronizamos o protocolo, que funciona do mesmo jeito até hoje. Nós temos muito orgulho do protocolo ter conseguido se manter, embora a rede tenha se tornado 1 milhão de vezes mais rápida e muitos milhões de vezes maior.

O sr. tinha uma visão do que seria a internet no futuro. Tudo o que imaginou se tornou realidade?

Uma resposta simples, seria não. Mas, na verdade, nós tínhamos uma boa ideia do que era possível. Antes de a internet ser criada, havia uma rede anterior, chamada de Arpanet e todos estávamos muito empolgados com o e-mail. Ele se mostrou um fenômeno social: o primeiro grupo criado se chamava Sci-Fi Lovers (amantes de ficção científica, em tradução livre). Éramos todos engenheiros, fãs do gênero e gostávamos de discutir qual era o melhor filme. Enquanto desenvolvíamos o protocolo, começamos a testar comunicação por voz e vídeo pela internet. Isso foi há 40 anos.

Porque fizeram isso?

Nós não imaginamos o YouTube, mas já sabíamos que a rede suportava esse tipo de aplicação. A gente ainda não podia fazer todas essas coisas porque a capacidade da rede era limitada. Hoje, a internet é centenas de milhares de vezes mais rápida e é por isso que serviços de streaming, como o Netflix. Essas novas aplicações aparecem quando as pessoas percebem o que podem fazer. É como aconteceu com a mobilidade. O celular foi criado em 1973 e, ao mesmo tempo, nós criávamos a internet. Em 1983, a internet e os celulares começaram a funcionar. Então, em 2007, Steve Jobs cria o iPhone. De repente, duas tecnologias se tornaram uma só.

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O sr. sente que a internet acelerou o ritmo de mudanças tecnológicas?

As pessoas parecem sentir isso, mas não tenho certeza de que isso esteja realmente ocorrendo. No início do século 20, nós criamos o avião, o rádio e a TV, a bomba nuclear, o forno de micro-ondas, o radar, os computadores. Quem viveu nesse período, provavelmente pensou que as coisas estavam mudando rápido. Talvez, estejamos em um período similar, mas menos dramático.

Qual é a maior ameaça para a internet nos dias de hoje?

As maiores ameaças são código ruim, falhas de segurança e hackers. Minha grande preocupação não está relacionada aos governos interferirem no funcionamento da internet, mas aos erros que os programadores cometem e que pessoas mal intencionadas exploram. Proteger a privacidade e manter as pessoas seguras quando conectadas à rede, do meu ponto de vista, é o desafio técnico mais importante que temos. Existem também desafios legais, porque da forma como a internet funciona, a rede não sabe que os pacotes cruzam fronteiras internacionais. Isso significa que, durante um ataque, a pessoa esteja num país e o atacante em outro, em jurisdições diferentes.

Como resolver isso?

Temos de criar um regime legal em que os países cooperem entre si, de forma que eles encontrem as pessoas que causam problemas e façam algo. Serão necessários alguns tratados internacionais, mais ainda temos muito a discutir sobre qual é o comportamento aceitável na rede. Nós temos métodos para fazer isso agora, mas eles são desajeitados e lentos, enquanto a internet é rápida. Claramente, é preciso fazer isso funcionar.

No Brasil, temos o Marco Civil desde 2014. A lei já se mostrou efetiva?

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O Marco Civil se tornou um bom exemplo para muitos outros países. Eu acho que ele tem servido bem aos brasileiros. É possível que haja espaço para mudanças, mas mudar só por mudar, nunca é uma boa ideia. Se houver um consenso de que a lei não trata de uma situação adequadamente, então é necessário voltar a analisar o texto.

Ao olhar para o futuro, quais são as tecnologias que te saltam aos olhos?

Existem várias. A primeira delas é a bioeletrônica, que vai permitir que conectar nosso sistema nervoso a sistemas computacionais. Também estou muito empolgado com as tecnologias que estão nos ajudando a entender como as células funcionam. Eu queria ter apenas 8 anos, para ver o que vai acontecer daqui a 50 anos. Estou empolgado também com a extensão da internet, para que ela possa operar no Sistema Solar.

Como vai funcionar?

Ela vai ajudar na exploração espacial e já há um protótipo em operação. A rede conecta a Terra, o planeta Marte e a Estação Espacial Internacional. Pode ser que, no final desse século, nós já tenhamos uma rede interplanetária que vai facilitar a comunicação, seja onde estivermos no Sistema Solar.

Você pensa em se aposentar?

Porque eu faria isso? Eu estou me divertindo muito, cercado de tantos jovens com grandes ideias, que desafiam a minha forma de pensar. E o Google tem sido muito generoso comigo, deixando que eu tenha atividades fora da empresa.

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O sr. tem um cargo interessante: evangelista chefe de internet.

O meu cargo no Google é bem preciso, na verdade. O que faço é pregar a religião da internet. Uma vez me perguntaram se eu acreditava em Deus e eu respondi que sou nerd ortodoxo (risos). Eu sou o nerd que anda por todo lado tentando convencer as pessoas de que eles devem construir e usar a internet, além de achar novas formas de criar novas aplicações para ela.

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