Para entender o pedido de ?desculpas? do Netflix

Em 2001, escrevi uma coluna a respeito de uma empresa pouco conhecida na época chamada Netflix. Lendo o texto agora, não consigo evitar o sorriso. Como é doce a ingenuidade! “Num jantar recente com alguns velhos amigos da indústria de revistas, fiquei impressionado ao descobrir que três deles eram fãs apaixonados de algo chamado Netflix”, escrevi. “Descobri que o Netflix é um serviço de aluguel de DVDs.”

PUBLICIDADE

Por Redação Link
Atualização:

“Por US$ 20 mensais, a pessoa pode alugar tantos DVDs quanto conseguir assistir. É possível até mesmo ficar com eles pelo tempo que for considerado necessário, respeitando o limite máximo de três filmes alugados por vez; se quiser passar o ano todo com o DVD de “A Múmia”, fique à vontade.”

PUBLICIDADE

Destaquei, com certa ironia, que estava elogiando o Netflix com interesses egoístas. “Estou determinado a contar a todos a respeito deste programa engenhoso e divulgá-lo de todas as maneiras possíveis. O Netflix tem 300 mil assinantes, e precisa de outros 200 mil para se tornar lucrativo – e não quero que ele seja fechado, jamais.”

A melhor parte é a conclusão da coluna, na qual chamo o Netflix de “notável exemplo de empresa ‘ponto com’ que ainda está no mercado porque oferece um benefício indiscutível para o consumidor, e não é apenas uma jogada gananciosa”.

Está bem, reconheço que errei.

Em julho, o Netflix enfureceu 25 milhões de clientes ao elevar abruptamente de US$ 10 para US$ 16 o preço do seu plano de aluguel de DVDs com a possibilidade de baixar filmes via streaming.

Quando escrevi a respeito desta reviravolta, destaquei que a parte mais frustrante tinha sido a explicação incompreensível que o Netflix ofereceu. “Percebemos que ainda existe uma expressiva demanda por DVDs, tanto por parte de nossos assinantes quanto do público em geral. Levando em consideração a longevidade que prevemos para o serviço de locação de DVDs pelo correio, tratar a locação de DVDs como um adicional de US$ 2 ao nosso plano de streaming ilimitado não faz sentido do ponto de vista comercial e nem satisfaz ao público que deseja apenas alugar DVDs.”

Como é que é?

Publicidade

Seja como for, os assinantes do Netflix ficaram furiosos. Em questão de semanas, um milhão deles cancelou a assinatura.

Assim, há alguns dias, Reed Hastings, o diretor executivo do Netflix, enviou para aos assinantes do serviço uma mensagem por e-mail que começava bem. A que eu recebi dizia:

“Caro David, eu errei. Devo-lhe uma explicação. “Está claro a partir do retorno dos últimos dois meses que muitos assinantes sentiram que foi desrespeitosa e humilhante a maneira com a qual anunciamos a separação dos serviços de aluguel de DVDs e dos filmes oferecidos via streaming, bem como nossas mudanças de preço. Não foi essa a nossa intenção e ofereço-lhe minhas sinceras desculpas. Permita-me explicar o que estamos fazendo.”

Ah, OK, ótimo. Já vimos este filme antes. A empresa faz lambança, pede desculpas, conserta o erro. As escolas de administração tomam nota. A vida continua.

Mas desta vez, Hastings não seguiu a fórmula. Ele só fingiu segui-la.

Ele prossegue dizendo que os novos preços, mais altos, vieram para ficar – pior ainda: o Netflix está prestes a separar suas operações de locação de DVDs pelo correio e transformá-las numa entidade completamente distinta, chamada Qwikster.

O Qwikster vai exigir que você visite um site diferente. Haverá uma despesa específica na fatura do cartão de crédito. O serviço terá seu próprio catálogo de filmes, e também sua própria lista de filmes (na qual são relacionados os filmes que o usuário quer ver).

Publicidade

(Não demorou até que os estupefatos cidadãos da Internet descobrissem a conta @quikster no Twitter já tinha dono – um jovem meio boca suja.)

Eu não poderia expressar minha reação melhor do que este e-mail de um leitor:

“A divisão do Netflix, criando o Qwikster, é ridícula. Não fiquei furioso com eles antes; agora, fiquei. Não quero duas empresas, nem duas cobranças no cartão de crédito, nem dois sites na Web, nem duas senhas de login e nem acompanhar DUAS filas. Agora terei de acrescentar os filmes tanto a uma lista de streaming instantâneo quanto a uma fila de DVDs? Terei de pesquisar em ambos os sites para ver se um filme está disponível como download instantâneo ou como DVD? Terei de sincronizar meus dispositivos iOS com dois serviços diferentes para assistir a filmes instantaneamente e para administrar as filas? Isto é ridículo. A vida já é complicada o bastante. O Netflix (desculpe, “Qwikster”) só piorou as coisas. Será que o sr. Hastings acha que somos idiotas? Transformar a empresa em duas companhias, com duas cobranças, não muda a dinâmica essencial dos preços; nós sabemos somar. O Netflix acaba de violar o primeiro princípio das boas empresas: ela resolveu o SEU problema, e não o nosso. Esta é a pior decisão de marketing americano desde a Nova Coca-Cola, e espero que possa ser revertida com a mesma rapidez.”

Confesso: estou totalmente perplexo.

Com o motivo pelo qual o Netflix, há muito tempo aplaudido pela graça e pela maestria do seu foco no consumidor, de repente se tornou surdo para os efeitos das suas desajeitadas manobras dignas de um elefante numa loja de porcelana.

Com as razões por trás de toda esta embromação. Sim, é claro que menos pessoas usam os DVDs, mas ninguém pode imaginar que elas tenham simplesmente desaparecido de uma hora para a outra.

Com o motivo pelo qual Hastings acha que pode se safar dizendo “eu errei” sem realmente consertar as coisas. Este é um dos pedidos de desculpas mais hipócritas que já ouvi. É papo furado. É como o político que diz: “Sinto muito por saber que você se sente assim”. Ele não sente coisa nenhuma – na realidade, continua insistindo que está certo.

Publicidade

Mas, no fim, o que me deixa ainda mais infeliz é perceber o quanto tudo isto parece calculado. Em julho, um porta-voz me disse que o Netflix já tinha levado em conta a saída dos assinantes em suas previsões financeiras.

Não poderia ser diferente. Quando eu tuitei que a Netflix tinha perdido um milhão de seus 25 milhões de assinantes, @npe9 foi certeiro quando escreveu:

“Isto prejudica a marca e a imagem deles, mas 24 milhões de clientes pagando US$ 16 ainda é melhor do que 25 milhões @ US$ 10. A receita aumenta em 50%.”

É verdade, sr. Hastings, o senhor errou mesmo.

Duas vezes.

/ Tradução de Augusto Calil

Publicado originalmente em 22/09/2011

Publicidade

—-Leia mais:Por que a Netflix aumentou seus preços

Tudo Sobre
Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.