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Psicólogos usam game contra déficit de atenção

Rede de pesquisadores Neuro Games desenvolve jogo para tratar pacientes e ajudar a diminuir sintomas do transtorno

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Por Matheus Mans
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SÃO PAULO – Videogame também é remédio. É isso que a rede de pesquisadores Neuro Games quer mostrar ao Brasil e ao mundo. O projeto, que envolve profissionais da Unifesp, da UFMG e da norte-americana Duke University, estuda e desenvolve um jogo para diminuir os efeitos do Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH). O processo de desenvolvimento desse método de tratamento começou há cinco anos. Os psicólogos Thiago Rivero e Orlando Francisco Amodeo Bueno criaram o Projeto Neumann – como é chamado o “braço” de desenvolvimento de games da rede – buscando a reabilitação de pacientes com o transtorno.

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O objetivo era tratar um maior número de pessoas ao mesmo tempo e com a facilidade de ser a distância, auxiliando psicólogos e pacientes. Além disso, o videogame é uma forma de tratamento menos invasiva e considerada mais receptiva por crianças e jovens – os mais afetados pelo distúrbio.

O primeiro passo, que durou dois anos, foi a criação de parcerias – com programadores para auxiliar na construção do jogo, e com universidades e empresas para financiamento. Esta última parte foi a mais difícil. “Recebi R$ 10 mil para desenvolver o game. É muito pouco. Um jogo simples custa uma média de R$ 100 mil”, conta Rivero.

Em um segundo momento, com as parcerias estabelecidas, a Neuro Games desenvolveu cinco jogos para que três grupos – em momentos distintos – os avaliassem. Refinando a cada feedback, eles chegaram ao game mais bem visto por especialistas e pessoas sem o transtorno: o Caçador de Dragões.

A estrutura do jogo escolhido, em um primeiro momento, pode parecer simples. O paciente é um mago perseguido por um dragão que, por sua vez, possui uma aura protetora ao seu redor. Ela é enfraquecida em intervalos irregulares de tempo, variando entre 2 e 20 segundos. O jogador, então, deve realizar um ataque ao seu perseguidor apenas quando a aura estiver fragilizada. Senão, recebe um contra-ataque. O grande objetivo psicológico é conseguir controlar os impulsos e não realizar o ataque no momento errado, resistindo à forte ansiedade que o TDAH causa.

Para Rivero, os benefícios do jogo para os portadores do distúrbio são visíveis. “Se a gente treinar bastante o controle de impulso e o jogador tiver na vida real uma situação que ele tiver de controlar este impulso, teoricamente ele teria mais força cerebral pra fazer uma ação neste sentido.”

Teste nas escolas

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Recentemente, a equipe da Neuro Games decidiu dar mais um passo na implementação do Neumann. Eles realizaram um teste com alunos do Colégio Bandeirantes, em São Paulo. Um grupo de 101 crianças do 6º ano respondeu questionários e testou o jogo.

Rivero conta que a própria escola entrou em contato após a divulgação do ‘Neumann nas escolas’, projeto com o objetivo de criar parcerias com escolas para testar o tratamento via videogame. “Muitas escolas se interessaram, até algumas da Argentina e Portugal”, revela.

Além de ser próximo da Unifesp – onde a maior parte do projeto de Rivero foi desenvolvido –, o colégio Bandeirantes criou o hábito de familiarizar alunos com novos dispositivos tecnológicos, utilizando tablets com frequência, por exemplo. As crianças, então, estariam mais aptas a aceitarem o teste via videogame , segundo a coordenadora de tecnologia educacional do Bandeirantes, Cristiana Assumpção.

Ela diz que o interesse pelo Neumann foi natural, já que ele “auxilia, através da tecnologia, a buscar o lado emocional dos alunos”. Ela ainda classifica este novo tratamento como uma “ferramenta fantástica, já que ajuda em um diagnóstico prévio, podendo orientar mais corretamente o aluno que sofre do distúrbio”. Para Rivero, a experiência também foi positiva. Apesar de todo o processo ter durado quatro meses, os testes com os alunos foram finalizados em apenas dois dias e a reação aos resultados foi compartilhada com a direção da escola.

Sobre a relação dos alunos com o Caçador de Dragões, Thiago relembra vivamente a alegria dos meninos ao serem avaliadas. “Eram gritos de ‘Dragões! Magos!’. Os meninos se empolgavam muito com a possibilidade de estarem avaliando suas atividades mentais através de um jogo. Então, isso foi um feedback muito positivo”, conclui.

As meninas, apesar de menos empolgadas com a ideia de enfrentar um dragão, não alteraram o resultado final. “Não houve diferença nos resultados entre os dois sexos. Então isso mostra que estamos tocando em algo mais puro do cérebro”, diz Rivero.

O futuro

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O teste com essas crianças foi a consolidação do jogo. Apesar de considerar que está dando um “passo para o lado” neste momento, Rivero já vislumbra o que acontecerá em breve. “Nós estávamos indo para escolas do Rio de Janeiro e Piauí, mas paramos. Resolvemos, através dos resultados obtidos, refinar o game, melhorar sua jogabilidade. E agora vamos direto para pacientes com TDAH.”

Este próximo passo, porém, deve ser feito com cuidado. Afinal, o uso de videogames em tratamentos ainda não é completamente aceito, tanto pela sociedade, quanto por acadêmicos e psicólogos que optam pelo tratamento convencional.

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A coordenadora de tecnologia educacional do Bandeirantes relatou que alguns pais, quando souberam da iniciativa, estranharam e disseram que “não mandavam os filhos para brincarem na escola”.

Rivero, porém, acha que o tratamento via games irá se transformar e poderá ser mais aceito. E para isso, ele alerta que as quatro partes envolvidas – os pais, as escolas, os pacientes e os pesquisadores – devem assimilar o fato de que um jogo pode auxiliar e tratar algumas disfunções.

Para Rivero, os games trazem inúmeras vantagens como ferramenta de tratamento. “A pessoa joga, curte, se motiva. O uso de games nisso é genial. E é por isso que ele poderia ser usado como ganho no processo terapêutico”, conclui.

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