Quando a internet vira vício

Para criador do Centro de Dependência em Internet do HC, uso intenso da web provoca confusão entre o que é real e virtual

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Por Fernando Martines
Atualização:

A edição desta segunda-feira, 5, do Link traz uma pergunta como tema: a internet está atrapalhando a capacidade de concentração dos jovens ou está deixando essa geração digital mais inteligente que a anterior? Independentemente da resposta, o fato é que todos — crianças, jovens e adultos — passam cada vez mais tempo de seu dia na internet.

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Como saber quando essa intensa relação com a web deixa de ser saudável e passa a atrapalhar nossa vida, virando uma dependência? Além de um teste que foi publicado na versão impressa, conversamos com o psicólogo Cristiano Nabuco de Abreu, criador do Centro de Dependência em Internet do Hospital das Clínicas para saber qual a diferença entre aqueles que usam de forma intensa a internet daqueles que já viraram dependentes.

Há alguma quantidade de tempo que determina se uma pessoa é uma dependente da internet? Não, não há. As pessoas me falam ‘eu passo oito horas por dia navegando, estou viciada?’. Isso não é um critério. As pessoas trabalham, pesquisam e estudam pela internet e por isso precisam passar essa carga de horário conectados. O que determina se uma pessoa é dependente é quando ela acaba preferindo desenvolver atividades na vida virtual em vez de atividades na vida real.

Como a internet age no cérebro de uma pessoa, de modo que ela se torna dependente? Não posso falar com muita profundidade desse tema. Sou psicólogo e no Centro nós abordamos os aspectos psicológicos da doença, não os biológicos. Mas claro que me informo sobre o tema. O que se sabe é do ponto de vista de alteração da neuroquímica existem apenas um ou dois artigos que vão explicar que após nove minutos que uma pessoa está jogando na web, o corpo libera dopamina , um neurotransmissor que faz com que você tenha uma renovada vontade de jogar.

E o que a dependência pode acarretar na vida dessas pessoas? Além de todos os problemas pessoais que um vício traz, como piora no desempenho escolar e no trabalho, brigas com pais, amigos e namorados, um problema é que a pessoa acaba perdendo a noção do que é real e do que é virtual. Estudando neurociência a gente descobre que as vias neurais que são ativadas quando a gente vivencia algo e quando a gente pensa sobre isso, são muito semelhantes. Então o cérebro não tem como diferenciar o que é imaginado o que é vivido. Por isso ocorre essa confusão entre o que acontece na web e o que acontece na vida real.

Os jovens estão mais suscetíveis a dependência em internet? Sim. A dependência acontece na população mais adolescente pois a maturação cerebral, ou seja, um cérebro totalmente desenvolvido, se daria só após os 21 anos. Então essa região onde a nossa testa está localizada, que é chamada de córtex pré frontal, é a sede do pensamento, a sede dos controles dos impulsos. Então os jovens ainda não têm essa região plenamente amadurecida, por isso essa população está mais suscetível a essa dependência.

Já tem como dimensionar o problema do vício na internet na sociedade? Não há um consenso internacional, pois os critérios de cada instituição para verificar isso mudam, mas a estimativa é que 10% dos usuários de internet são dependentes.

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