?Queremos formar pessoas diferentes?; diz diretor do MIT Media Lab

Entrevista com Joi Ito , diretor do MIT Media Lab, referência mundial em inovação que acredita que a educação atual é limitadora e anacrônica

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Por Camilo Rocha
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SÃO PAULO – “Em vez de ficar discutindo sobre fazer alguma coisa, nós fazemos.” É assim que Joi Ito, diretor do Media Lab, centro de estudos e pesquisas interdisciplinares do MIT (Massachussetts Institute of Technology), resume a maratona hacker, ou hackathon, que sua instituição realizou com a Natura no Brasil semana passada.

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Para Ito, esse “fazer em vez de discutir” é também um novo jeito de trabalhar em empresas que está superando velhos métodos por sua agilidade e maior custo-benefício.

Pioneiro da internet cujo histórico começa muito antes de sua chegada ao MIT, Ito acumula passagens por entidades como Creative Commons, Icann e Mozilla. Como investidor, participou de rodadas iniciais em empresas como Twitter e Kickstarter.

Ito conversou com o Link na sede da Natura.

Por que escolheram este formato do hackathon? A tendência é que o custo e o tempo de se fazer coisas seja cada vez menor. Software fica mais barato, rápido e fácil. Pode-se fazer qualquer primeira versão de um produto em uma semana ou menos. No hackathon, em vez de ficar discutindo sobre fazer alguma coisa vamos lá e fazemos. Em muitas empresas, o custo de decidir é hoje mais alto do que o de tentar fazer. Não é necessário ter apresentações e prazos, que demoram e dissipam a paixão. Você simplesmente constrói as coisas.

Fala-se muito em inovação, em ser “disruptivo”. Estamos mesmo vivendo uma era especialmente inovadora? Acho que está acelerando, porque o custo diminuiu. A inovação em TI saiu das mãos das grandes empresas, mais lentas, e foi para as menores, mais ágeis, como Google, Yahoo!, Facebook, que não precisavam de permissão nem dinheiro. Simplesmente fizeram o produto e levantaram o dinheiro. Tudo isso aconteceu com a internet. Mas está começando a acontecer com hardware e bioengenharia. Em 2005, o custo para sequenciar um genoma humano era de US$ 3 bilhões, hoje custa US$ 1.000. Em dois anos, será de US$ 100.

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Em plena era da especialização, o Media Lab foca na interação entre disciplinas. Por quê? Disciplinas são grupos dedicados a saber mais e mais sobre menos e menos. No Media Lab usamos a palavra “anti-disciplinário”, ou seja, só trabalhamos em coisas que não se encaixam em nenhuma disciplina. Eu acho que é importante se especializar, mas todo mundo está se especializando em algo que todo mundo se especializa, como engenharia elétrica. Mas se você quiser um diploma em design da floresta amazônica, esse diploma não existe. Da maneira que o ensino é projetado se tornou muito difícil a especialização em algo inédito.

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A educação tradicional precisa ser repensada? Sou suspeito porque não cheguei a me formar, mas acredito que sim. Com computação e robótica, não é necessário ter várias pessoas que fazem exatamente a mesma coisa. Nos velhos tempos da fábrica, você precisava de muita gente fazendo coisas robóticas e repetitivas. Sempre se fala dos empregos perdidos com robôs e computadores, mas é porque ainda treinamos as pessoas para serem como robôs e computadores. “Qual a resposta certa?”, “Qual o teste?”, “Vai cair na prova?”.

A pior pergunta que me fazem quando leciono para garotos jovens é “vai cair na prova?”. Eles acham que ter a resposta certa é o sentido da vida, quando na verdade é fazer a pergunta certa. Na maior parte das universidades, os estudantes estão lá para tentar sair e conseguir um emprego. Se eu dissesse “você não precisa estudar, aqui está o diploma”, muitos deles aceitariam. O diploma é só um distintivo. No Media Lab eu digo o oposto para meus estudantes, se no fim dos quatro anos eu retirar o seu PhD, você tem que olhar para trás e ainda assim achar que valeu a pena, senão você não deveria estar aqui. No ramo da pedagogia, é quase consenso que habilidades aprendidas na classe tem que ser reaprendidas na hora de usá-las na vida real.

O que você quer é formar pessoas que são diferentes umas das outras, inovadoras, colaborativas, questionadoras, que pensam por si mesmas, características que vão contra a educação tradicional.

Sua visão da tecnologia é bastante otimista. No entanto, as ameaças à privacidade e a espionagem de governos têm motivado avaliações mais sombrias. Tecnologia não é boa ou ruim, ela simplesmente avança e nada pode ser feito para impedir isso. É como um sistema complexo, como do corpo humano. Você tem um sistema imunológico e este se fortalece ao experimentar doenças. Estamos nesse processo, e para conseguir melhorar nossa imunidade, precisamos ficar doentes. Lembra do spam? Diziam que era um problema incontrolável, que era preciso fechar a internet, fazer novas leis. E o que aconteceu? O spam sumiu. O mesmo vale para a questão da espionagem. Ninguém se importava porque não havia dor, não havia sintomas. Agora, todo mundo percebeu que a dor existe e todos tentam consertar. Isso é bom porque agora estamos no caminho para tentar resolver isso. No corpo, as bactérias nos deixam mais forte. O caso da (agência de espionagem norte-americana) NSA é uma grande oportunidade de se fortalecer.

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Você é um grande defensor da intuição. Mas os entusiastas da big data acreditam que ele deixará a intuição menos importante. Acredita nisso? O cérebro é muito bom em reconhecer padrões e há algumas similaridades entre isso e o processo do big data. Mas o big data não tem intuição geral. Seres humanos são muito bons em lidar com um certo tipo de complexidade. Ainda demorará muito para que o big data consiga algo assim. No mínimo, porque a biologia é muito mais eficiente em termos energéticos. Se você tentar fazer isso em computadores, a quantidade de energia necessária para rodar esse computador criativo não seria ecologicamente correta. Temos computadores muito bons em xadrez, mas não teremos por muito tempo computadores capazes de intuição ou de entendimento em um sentido mais amplo.

Você já foi DJ, o que isso lhe ensinou? Gerenciar a comunidade e manter o fluxo de energia em movimento são habilidades de DJ que uso diariamente no Media Lab. Uma vez por mês fazemos uma festa, transformando o Media Lab em uma balada. Eu toco também, mas menos hoje. E tem um pessoal muito bom por ali para montar equipamento de luz e som (risos).

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