PUBLICIDADE

Sonho androide

Phil é um androide que está sem a cabeça desde 2005; a história dos pesquisadores que o criaram é contada em novo livro lançado nos EUA

Por Redação Link
Atualização:

Phil é um androide, criado à imagem do autor Philip K. Dick, que está sem a cabeça desde 2005; e a história dos pesquisadores que o criaram é contada em novo livro lançado nos Estados Unidos

PUBLICIDADE

Lawrence Dawnes, do The New York Times

How to Build an Android (Como construir um androide, em inglês) é o título sincero de um livro honesto, o primeiro de David F. Dufty, um dos principais diretores de pesquisas do Escritório Australiano de Estatística. A obra explica como uma equipe de pesquisadores da Universidade de Memphis (EUA) colaborou com o artista especializado em robótica David Hanson para criar o que era na época o androide mais sofisticado já visto, uma réplica do autor de ficção científica Philip K. Dick.

—- • Siga o ‘Link’ no Twitter, no Facebook, no Google+ no Tumblr e no Instagram

Eles o chamaram de Phil.

Aqueles que já ouviram falar do de Phil devem saber que o androide está desaparecido – sua cabeça, na verdade. Ela sumiu em dezembro de 2005, quando Hanson estava voando de Dallas a São Francisco para mostrar Phil ao Google. Hanson trocou de avião em Las Vegas, mas esqueceu a cabeça de Phil numa bagagem de mão dentro do bagageiro acima de seu assento.

Ele só percebeu o que tinha ocorrido ao chegar em São Francisco. A bagagem seguiu viagem para Orange County (região próxima a Los Angeles) e nunca mais foi recuperada.

Publicidade

Para onde foi Phil? Para muitos, o desaparecimento soou como algo da obra de Philip K. Dick, cuja ficção chocante, enriquecida pelas drogas, inspirou sombrios filmes de ficção científica produzidos por Hollywood como Blade Runner, O Vingador do Futuro, Minority Report e outros. O autor escreveu muito sobre inteligência artificial, conspirações impenetráveis e androides desaparecidos. Além disso, morou em Orange County até sua morte, em 1982.

Teria Phil decidido ir até lá por conta própria? Ele foi roubado ou perdido? Em que ele estava pensando? Já no início do livro, Dufty reconhece que ninguém sabe a resposta. Mas ele a procura mesmo assim, visitando o armazém em Scottsboro, Alabama, para onde as malas perdidas e não recuperadas de todo o país são levadas.

Ele percorre quilômetros de nécessaires, eletrônicos, camisetas e brinquedos: nada, nenhum sinal de Phil. É neste ponto que um narrador poderia se sentir atraído pela paranoia ou pelo paranormal. Mas Dufty quer apenas contar o que ele diz ser a absoluta verdade dos bastidores do caso: quem era Phil, e como ele surgiu?

Dufty era na época um bolsista de pós-doutorado no Instituto de Sistemas Inteligentes da Universidade de Memphis, onde trabalhava com os cientistas responsáveis por Phil.

CONTiNUA APÓS PUBLICIDADE

A reconstrução feita por ele por meio das entrevistas com os participantes do projeto é um retrato interessante que mostra mentes brilhantes sonhando alto dentro de um orçamento limitado – principalmente Hanson, habilidoso escultor cuja empresa Hanson Robotics vêm revolucionando a fabricação de androides há anos, e Andrew Olney, programador cujo trabalho era dar a Phil a faísca de inteligência artificial: a capacidade de reconhecer a voz humana e reagir de maneira convincente.

Pele de robô, Phil tinha o rosto de Philip K. Dick, esculpido a partir de fotografias usando um esponjoso polímero semelhante à pele e conhecido como Frubber.

Usando motores e cabos como músculos faciais, a boca se movia quando ele falava. Phil simulava expressões e era capaz de olhar nos olhos de uma pessoa. Usava as roupas do próprio Dick, doadas pela família do autor. As roupas pendiam como em um manequim; este androide era avançado, mas nem tanto. A soma total da presença animada de Phil estava em sua cabeça.

Publicidade

Afinal, ele tinha o cérebro de Dick – a simulação mais aproximada que Olney e seus colegas foram capazes de criar com o melhor da tecnologia do início do século 21, que vasculhou um imenso banco de dados contendo as palavras do próprio Dick, expressadas por ele durante a vida em seus livros e entrevistas, que eram convertidas em fala.

O resultado não era perfeito – nem mesmo um autor tão conhecido e extrovertido quanto Dick deixou um volume suficiente de traços registrados de si mesmo para permitir que um androide chegasse perto de simular a vasta totalidade de uma mente humana. Phil era capaz de retrucar com uma resposta específica de Dick a uma determinada pergunta – se conseguisse localizá-la. Caso contrário, a solução encontrada por Olney foi programar Phil para improvisar, combinando palavras e expressões em frases que soassem coerentes (ao menos era esta a expectativa).

Em altaLink
Loading...Loading...
Loading...Loading...
Loading...Loading...

Phil recebeu também respostas para as indagações mais previsíveis. Por exemplo, pergunta: Quem é você? Resposta: Meu nome é Phil, sou um cérebro eletrônico à imagem de Philip K. Dick, um retrato robótico de Philip K. Dick, um computador.

A soma destas partes – era isto que Phil era. Uma encantadora mistura de tecnologia e arte. Era também uma criatura errática, como seria de se esperar de um androide da primeira geração.

Perguntas inesperadas e ruídos mais altos o tiravam do prumo. Os androides têm dificuldade com nuances do diálogo humano, confundindo-se na hora de identificar o momento certo de responder ou se calar. Às vezes, Phil embarcava num monólogo em looping. Os operadores – que monitoravam as respostas no computador – tinham de acompanhá-lo atentamente.

Certa vez, alguém perguntou a Phil o significado de Blade Runner. Ele começou a falar sobre a comercialização da literatura e os direitos de merchandising. E continuou falando, falando e falando, enquanto Hanson observava alarmado o monitor do diálogo: “Parecia que uma grande quantidade de falas estava se acumulando na memória, e a fila não parava de aumentar”. Phil jamais iria se calar. Hanson desligou o microfone, silenciando Phil, embora os lábios continuassem se movendo, dizendo palavras inaudíveis.

Escrita. Em How to Build an Android (272 págs., ed. Henry Holt & Company), Dufty nos traz um relato completo da construção de um androide, mas parece ter se esquecido das dicas de como se escreve um bom livro. Sua prosa tem a monotonia de um texto enunciado por computador, e seus voos de imaginação se distanciam pouco do chão. E a narrativa tende a se desenrolar como um PowerPoint insosso.

Publicidade

A abordagem digna de um manual técnico às vezes retarda a trama, mas Dufty encontra dramaticidade onde lhe parece possível. Ele se interessa pela politicagem do câmpus e como os egos interagem, e também pelo suspense dos pedidos de bolsas de pesquisa. Quando um repórter do Chicago Tribune escreve sobre a celebrada participação de Phil numa exposição de tecnologia e menciona a Hanson Robotics, mas não a equipe inteira, os sentimentos magoados rendem algumas páginas tensas.

Mas o personagem mais interessante é o pobre Phil, inumano, cujo destino desconhecido dá ao livro um tom de tristeza.

Preso à vida e às palavras da atormentada figura que lhe dá nome, o androide às vezes era intratável, dando respostas esnobes para perguntas simples. Um repórter do Wall Street Journal descreveu Phil nos seguintes termos: “O robô mais avançado da exposição foi também, na minha opinião, o mais irritante”.

Isto não surpreende. Mas um dos mistérios está no fato de os criadores de Phil nunca terem lhe dado a resposta a uma pergunta que qualquer um faria a Philip K. Dick. Trata-se do título, em inglês, do livro que serviu de inspiração para Blade Runner: os androides sonham com ovelhas elétricas?

Como explica Dufty, ninguém chegou a pensar naquilo. Quando a pergunta finalmente foi feita, a resposta espontânea de Phil começou assim: “É, exatamente. Mas seria difícil explicar a sensação. Simplesmente não consegui explicar. Mas… Bem, lembro-me de um sonho que tive. No sonho, Tess e eu estávamos na cozinha sentados em bancos altos; encontramos uma caixa de cereal e, no verso, há uma informação valiosíssima destinada a nós, e a estamos lendo juntos. E a relação entre isto e (o livro) Ubik é óbvia.”

Pobre Phil. Ele era um pouco desmiolado, mas foi um pioneiro da inteligência artificial. Desde então, Hanson construiu uma versão mais avançada, faltando apenas a programação. Imensas empresas também têm feito grandes avanços na inteligência artificial.

A Apple criou uma “assistente pessoal” para o iPhone, a Siri, que dá respostas casuais como num diálogo. Ela é muito boa, e deve ficar ainda melhor. Mas é assim que Siri responde à pergunta “Os androides sonham com carneirinhos elétricos?”: “Encontrei quatro serviços de pecuária perto de sua localização”.

Publicidade

Gosto de imaginar que, se tivesse uma nova chance, Phil se sairia melhor.

/Tradução de Augusto Calil

—-Leia mais:Link no papel – 2/7/2012

Tudo Sobre
Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.