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Uber atrai usuários e motoristas no Brasil mesmo sem regulamentação

Serviço que conecta passageiros a motoristas particulares enfrenta resistência de taxistas e autoridades; Uber está presente em SP, RJ, Brasília e BH

Por Redação Link
Atualização:

Laura Maia

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A guerra dos taxistas contra o aplicativo Uber, que conecta motoristas particulares e passageiros, está longe do fim no Brasil. De acordo com a entidade que representa as associações e cooperativas de motoristas de táxi (Abracom), dirigentes da categoria se reunirão em Brasília nesta terça e quarta-feira para discutir quais serão os próximos passos jurídicos a serem dados e apresentar reivindicações a parlamentares. “Não descartamos uma paralisação do serviço de táxi em várias capitais do País”, avisa o presidente da Abracom, Edmilson Americano.

Presente em mais de 300 cidades de 57 países, a plataforma Uber tem enfrentado polêmicas, batalhas judiciais e resistência de associações de taxistas por onde chega. Foi proibida no Estado de Nevada, nos Estados Unidos, e teve serviços suspensos em cidades da Espanha, da Índia, da Alemanha, do Canadá e de Portugal. Por outro lado, conquista mais usuários a cada dia e já é avaliado em cerca de US$ 40 bilhões, sem ser dona de nenhum carro nem empregar motorista algum. Para se ter uma ideia, o valor de mercado da empresa de locação de carros Hertz Global é estimado em US$ 9,5 bilhões, segundo a Consultoria Economática.

 

No Brasil o Uber chegou com a Copa e funciona em quatro capitais: Rio de Janeiro, São Paulo, Brasília e Belo Horizonte. Foi no início deste ano que o aplicativo ganhou maior visibilidade, paradoxalmente, por causa dos protestos dos taxistas.

A empresa não divulga o número de downloads nem o dos chamados “motoristas parceiros”, mas no dia 8 de abril, quando milhares de taxistas foram às ruas de cinco cidades do Brasil pedir a suspensão do aplicativo por “concorrência desleal”, o número de cadastros na plataforma foi cinco vezes maior do que a média em um dia comum.

“Para operar, o taxista precisa de licença, que é um ‘bem’ comercializado por valores altos. Quando chega o aplicativo Uber, cujo serviço independe disso, toda essa cadeia de valor agregado é colocada em risco”, observa a coordenadora do Grupo de Ensino e Pesquisa em Inovação da FGV Direito, Mônica Guise Rosina. Apesar de a venda de alvarás ser proibida pela Prefeitura de São Paulo, essa licença chega a ser comercializada, segundo taxistas ouvidos pela reportagem, por cerca de R$ 120 mil.

No dia 28 de Abril, a Justiça de São Paulo concedeu uma liminar atendendo à demanda dos taxistas determinando, portanto, a suspensão do aplicativo no País, por considerar que a plataforma presta um “serviço clandestino”, mas, poucos dias depois a liminar foi revogada.

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Na ocasião, a juíza Fernanda Gomes Camacho, da 19ª Vara Civil, entendeu que uma ação desse tipo tem de ser pleiteada pelo Ministério Público e não por um sindicato, por envolver interesses coletivos.

O promotor público e presidente do Instituto Brasileiro de Direito Digital, Frederico Ceroy, acredita que as decisões judiciais foram boas para que a sociedade percebesse a necessidade de debate sobre as possíveis regulamentações do serviço. “Não da para pegar o Uber e tentar encaixá-lo em categorias jurídicas que já existem. As réguas que estamos usando para medir esses novos modelos de negócio da economia compartilhada são muito antigas”, diz. “Com a regulamentação desse serviço, todos ganham: consumidor, Estado (por meio de impostos) e motoristas com mais possibilidades de emprego.”

EM USO

Enquanto o imbróglio jurídico se desenrola, estatísticas da ferramenta Google Trends apontam para um salto de 200% no número de buscas por “aplicativo uber” no Google nos últimos três meses aqui no Brasil. Se por um lado, muita gente está conhecendo agora o aplicativo, por outro, há quem não consiga mais imaginar a vida sem o Uber por aqui.

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É o caso de Layzza Brito, de 28 anos, que abandonou a área de recursos humanos para virar motorista parceira do Uber e de seu marido Iuri Tampolski, de 30, que largou a publicidade para também virar motorista .

“Em uma semana de trabalho (com o Uber) faturei tanto quanto em um mês como analista de RH. Além disso, não tenho chefe, trabalho a hora que eu quero e faço o que gosto, que é trocar experiências com pessoas. Cada viagem é uma história de vida”, diz Layzza.

A guinada na vida do casal foi decidida no fim do ano passado. Ao saberem que a empresa buscava motoristas parceiros na capital paulista, decidiram comprar o carro de luxo e se cadastrar na plataforma. Para Layzza, a regulamentação é uma questão de tempo e por isso não é uma preocupação. “É algo que incomoda (os taxistas) por ser novo. Mas eu lembro quando os aplicativos de táxi chegaram e também foram um problema”.

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O motorista Mauricélio Ramos, de 37 anos, que trocou o trabalho no banco para virar motorista no Rio de Janeiro há seis meses, também concorda que as brigas judiciais não são uma preocupação: “Mesmo que tentem barrar o Uber, acho que tem um clamor popular que conta muito. As pessoas estão gostando do serviço”.

Mas há quem esteja mais apreensivo. Em Belo Horizonte, a motorista Michelle de Oliveira, de 32 anos, que chega a tirar até R$ 2 mil por semana como motorista parceira do aplicativo desabafa: “Fiz um investimento alto em carro de luxo e seguro. Tenho dois filhos que crio sozinha. Dei esse passo acreditando na regulamentação e eu espero mesmo que ela aconteça. Dependo dessa renda”.

Os usuários que optaram pela plataforma também esperam que o serviço seja regulamentado. “Não gostaria de voltar a andar só de táxi porque acho um serviço muitas vezes mal prestado aqui em Brasília”, diz o empresário João Pedro Costa, de 28 anos. Ele vendeu o carro há quatro meses e quando precisa se deslocar pela cidade, sempre opta pelo Uber. “Os carros são melhores, assim como o atendimento. Fora que às vezes fica mais barato do que táxi”, afirma entusiasmado.

‘LEIS SÃO CAMBIANTES DIANTE DE NOVAS FORMAS DE SERVIÇO’

Entrevista: Rafael Zanatta, jurista e pesquisador do InternetLab

Como vê o desdobramento jurídico do caso Uber no Brasil? Existe uma estratégia de judicializar o conflito com o Uber em escala global e aqui não foi diferente. Acredito que possamos dividir a questão do Uber em três “atos”: desconhecimento, judicialização e desafio regulatório. Ou seja, primeiro as pessoas não sabiam do que tratava, depois, os grupos que se sentiram afetados pelo serviço. como as associações de táxi, levaram essa questão para o judiciário. As estratégias jurídicas tem sido semelhantes em várias cidades do mundo. Grupos pedem a suspensão da atividade do Uber por ele não ter autorização ou permissão do poder público concedente. É nesse momento entre judicialização e regulamentação que nós estamos.

Historicamente, há outros exemplos em que inovações na área do transporte geraram tensões com setores tradicionais? Nossa pesquisa no InternetLab tem mostrado que a regulação do transporte sempre foi conflituosa no Brasil. A imposição de regras para carros de praça e taxistas gerou fortes tensões no início do século XX, como o tabelamento de preços e o uso do taxímetro, por exemplo. Os taxistas mostraram sua capacidade de mobilização logo em 1905, com uma grande greve feita junto a motoristas de bondinhos e ônibus. Nossa pesquisa também tem mostrado o dinamismo do arranjo regulatório ao longo do tempo em São Paulo, revelando uma rica história sobre o que aconteceu antes da Lei 7.329 de 1969 (que estabelece normas para execução de serviço de transporte individual de passageiros), ainda em vigor. Enxergar esse dinamismo em perspectiva histórica pode nos ajudar a entender que as leis não são permanentes, mas sim cambiantes diante de novas formas de convivência, comunicação e troca de serviços.

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E quais são os desafios dessa regulamentação no caso do Uber aqui no País? O debate regulatório será um trabalho dificílimo. Quem tem competência para criar regras sobre o Uber? Os municípios ou a Agência Nacional de Transporte? A ideia de “transporte público individual” abrange os motoristas do Uber ou precisamos de novas categorias jurídicas? Esse é um debate que está posto. O ideal é envolver as partes interessadas – empresas concorrentes, cidadãos, taxistas – para, ao menos, discutir o problema. Precisamos ter clareza sobre o que queremos para avançar nos instrumentos regulatórios (licenças, preços mínimos, regras de prestação de serviço). /L.M.

/COLABOROU MURILO RONCOLATO

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