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Um manifesto para deixar tudo como está

Entidades e artistas criam Comitê e se unem contra a reforma da lei de direitos autorais

Por Tatiana Mello Dias
Atualização:

Começou a guerra. Ou, como preferem, a resistência. Várias entidades de artistas se reuniram na noite de segunda-feira (12) em São Paulo para lançar o Comitê Nacional de Cultura e Direitos Autorais, uma articulação contra a reforma na lei de direitos autorais proposta pelo Ministério da Cultura.

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O evento de lançamento teve tom de chamado. Começou com o Hino Nacional; depois, a leitura de um manifesto:

“Agora, os idealizadores da política flexibilizatória (copyleft, crative commons, free digital world), claramente atrelados aos interesses das empresas disponibilizadoras de conteúdo, por meio de novas tecnologias, escolheram, não por acaso, o Brasil para irradiar suas pretensões, de forma a afirmar que o direito dos criadores (….) estão obstando nosso povo de ter acesso a tais conteúdos culturais. Esse movimento ocorre às escâncaras, na certeza que assim criarão um abismo de interesses entre criadores e ingênuos. Fomenta-se a rebeldia dos tolos”.

O texto foi lido em voz alta por Roberto Mello, presidente da Associação Brasileira de Música e Artes (Abramus), que encabeça o Comitê.

Participantes do Comitê. Roberto Mello é o sexto da esquerda para a direita Foto: Estadão

O lançamento do Comitê teve a participação de Walter Franco (que é vice-presidente da Abramus), Danilo Caymmi, Zezé Motta e Juca Chaves, entre outros representantes de entidades ligadas ao teatro, literatura e música.

O recém-criado Comitê faz oposição feroz à reforma na lei de direito autoral. A primeira crítica é contra a criação de um instituto público que regulará a cobrança de direitos autorais. Hoje, como se sabe, isso já é feito com entidades privadas – como a própria Abramus e o Ecad. Para as entidades que participam do Comitê, essa proposta vai na direção de uma “estatização” dos direitos autorais.

A proposta de reforma na Lei de Direitos Autorais é discutida em fóruns periódicos realizados desde 2007. O Ministério da Cultura ainda não apresentou o texto final do projeto, mas é possível ter acesso à uma prévia apresentada durante o III Congresso de Direito de Autor. Entre os principais pontos, além da criação de um instituto, há a legalização do remix – ou utilização de pequenos trechos de obra sem pagamento de direitos – e libera o xerox de livros inteiros para uso privado. O texto, porém, ainda não está definido. A ideia é que ele seja apresentado para uma consulta pública em breve.

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Roberto Mello acusa o MinC de não ter ouvido as entidades envolvidas com arrecadação durante o processo de elaboração da lei. Além disso, no próprio manifesto, as entidades criticam o mecanismo de consulta: “sob o mote de consulta pública, incute-se no imaginário do cidadão mediano a crença de que o povo é ouvido, e, progressivamente, apequenam-se os direitos e garantias individuais”, diz o texto.

Para as entidades, a lei de direitos autorais precisa de “pequenos retoques”. Na noite de lançamento do comitê, o clima era de euforia. Dalton Morato, advogado da Associação Brasileira de Direitos Reprográficos (ABDR), classificou a reunião como um “movimento histórico”. “A lei está atualizada, mas não é aplicada”, disse ele. “Esse país está dividido entre os que têm tutano e os que não têm”, disse Walter Franco, vice-presidente da Abramus, citando sua própria composição. “Aqui há companheiros que se uniram na luta pelas Diretas, mas que devem também lutar pela nossa categoria”, disse o maestro e compositor Marcus Vinicius de Andrade. A noite terminou com Zezé Motta cantando “O poder da criação”.

Walter Franco e Roberto Mello Foto: Estadão

O Link conversou rapidamente com Roberto Mello antes do início do evento:

Para vocês, a Lei de Direitos Autorais deve ficar como está? A questão é que nós temos uma lei nova. Temos a lei 9610, que é de 1998, e teve 14 anos desde a elaboração até a tramitação, como acontece nos projetos de lei. Não é que nós sejamos contra tudo. Não é isso. mas vc nao pode fazer isso de uma forma açodada e sem consultar a classe autoral brasileira. Não dá para fazer isso de uma forma absolutamente aleatória e unilateral.

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O MinC não ouviu vocês? Eles fizeram debates, na verdade debates dirigidos, mas eles não coletaram a nossa opinião com respeito ao texto. Isso foi imposto. Nós tivemos acesso ao texto em função das relatorias que houve em um congresso organizado pelo MinC em São Paulo. Vimos que é uma aberração, porque já mistura de cara direito público com direito privado. Esse direito é dos titulares. Tem um monte de gente querendo se aproveitar dos conteúdos intelectuais brasileiros para dispoinibilizar por todos os meios de comunicação, principalmente os digitais. Esses meios são todos pagos, embora as pessoas achem que é tudo de graça. Não é de graça. Paga-se pela mídia, assinatura. Então criou-se um abismo e um antagonismo social que nao é típico de uma sociedade democrática.

Vocês alegam que nossa lei é nova, mas ela foi criada antes do surgimento das redes de compartilhamento de arquivos… E qual é o problema disto? Não há nenhum problema. É mais um veículo. Quando veio a televisão, disseram que ia acabar com o cinema. Quando veio o cinema, falaram que ia acabar com o rádio e assim vai. Isso não existe, gente. Não podemos ser ignorantes a ponto de não entender que todos são veículos. Todos se somam e têm que ser tratados como veículos. O que não pode é o disponibilizador de conteúdo ganhar fortunas, principalmente entidades fora do brasil. São grandes interesses econômicos que sabem da representatividade da produção intelectual brasileira e querem disponibilzar esse conteúdo sem nos pagar. E o papel do estado nao é inteferir numa gestão que pertence claramente à sociedade civil.Atualização (19h57): o Ministério da Cultura acaba de divulgar um esclarecimento sobre a reforma na lei. Embora não cite a criação do Comitê, o MinC tenta esclarecer o ponto crítico que despertou a ira das entidades: a criação de um instituto público de direitos autorais.

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