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VD: Que som é esse?

Britânica faz música a partir de eletroencefalograma; sons se alteram conforme os pensamentos

Por Tatiana Mello Dias
Atualização:

Luciana e o cérebro visto com o IVBA (foto: Arquivo pessoal)

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Quando era adolescente, Luciana Haill teve uma meningite viral. E foi por causa da dor de cabeça provocada pela doença que ela voltou a atenção pela primeira vez para seu cérebro. “Fiquei obcecada em imaginar o que estava acontecendo na minha cabeça”, diz a britânica de 37 anos. Luciana se recuperou da doença, mas nunca mais parou de prestar atenção no cérebro. Fez disso uma profissão. E não, ela não é neurologista nem psiquiatra. É artista. E transforma as ondas cerebrais em música.

O processo começa com o IVBA (Interactive Brainwave Visual Analyser), aparelho de eletroencefalograma que gera uma visualização em 3D a partir das ondas cerebrais. Luciana – ou um voluntário disposto a, literalmente, abrir a cabeça – fixa os sensores e relaxa. Os pensamentos viram ondas em três dimensões, que são transformadas em sons orgânicos por um software.

E que tipo de som o cérebro produz? “São muito subjetivos”, explica Luciana. Nas apresentações, ela seleciona alguns samplers e deixa todo o trabalho de acionar o volume e a sobreposição de sons ao efeito do cérebro. “Imagine que é como tocar teremins”, diz ela, fazendo referência ao instrumento russo da década de 20, muito usado pelos Mutantes, que cria sons com o movimento das mãos no ar. “A performance é como uma tecelagem transitória por pensamentos, com múltiplos teremins aparecendo fantasmagoricamente.” Luciana parece uma pin-up ciborgue. Estudou artes na faculdade em Londres, mas foi o curso de arte interativa do pioneiro Roy Ascott – que faz arte cibernética desde os anos 60 – que “mudou sua vida”. Outra referência foi Marvin Minsky (co-criador do laboratório de inteligência artificial do MIT), que se comunicava com ela por meio do sistema rudimentar de e-mails Janet, do inicio dos anos 90. Mas sua pesquisa ganhou um novo sentido ao descobrir a arte de dentro do cérebro. “Os eletroencefalogramas são tão bonitos. São como corais e rostos. Cada um é diferente”, diz.

Mão na massa Ela guarda várias impressões de imagens do seu cérebro tiradas quando foi voluntária de um teste com ressonância magnética. Foi em 1995, porém, que resolveu construir seu próprio aparelho para investigar o cérebro. Seguiu as instruções de revistas para eletricistas amadores dos anos 80 e tentou fazer um detector simples de ondas Alpha (as mais lentas, que aparecem em estados mais relaxados). “Se você fechasse seus olhos, ele fazia um bip! Claro que não era sofisticado o suficiente para as minhas necessidades como artista”, ri. “Então, eu achei esse sistema IVBA nos EUA. Usei para fazer meu trabalho de conclusão na graduação”. Hoje, além de usar os scanners em seu trabalho como artista, ela criou uma empresa para vender o aparelho.

O IVBA foi desenvolvido no Japão por Masahiro Kahata, a quem Luciana define como amigo. O aparelho é usado para pesquisas em várias universidades, e também é útil, diz Luciana, para técnicos de esporte, hipnoterapeutas, treinadores de programação neurolinguística, médicos do sono, além dos artistas visuais e músicos.

Rumo ao inconsciente As formas em três dimensões, para Luciana, são “análogas à escrita e à música”. “Os padrões têm diferentes formatos e velocidade. O EEG se tornou o meu Paintbrush”. Os pensamentos, porém, não são constantes – e cada alteração provoca sons diferentes. Por isso, nada como uma mente com padrões diferentes para gerar uma música singular, certo? É isso que Luciana faz. Ela tem interesse em alterações de consciência. Foi ao Havaí estudar a técnica de sonhos lúcidos de Stephen LaBerg, que permite às pessoas experimentarem conscientemente universos fantásticos durante o sono.

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A artista também provoca padrões de pensamento diferenciados usando a Dream Machine, máquina desenvolvida nos anos 50 que provoca hipnose através de padrões de luzes piscantes (há, inclusive, uma versão online desse sistema). As luzes estroboscópicas induzem as ondas alfa e teta do cérebro, responsáveis por “introspecção, devaneio e hipnose”. O sistema, porém, não serve para todos. “Eu sempre aviso o público: não deixe os olhos abertos na sala se for suscetível a epilepsia”.

Nas apresentações, o voluntário instala os sensores eletromagnéticos na cabeça e se deixa levar pela “máquina dos sonhos”. “Nós todos ouvimos em tempo real os sons se alterando conforme sua entrada no estado hipnótico”, diz Luciana. “Eu convido a audiência a participar e me autorizar a enviar as ondas produzidas por seu cérebro à galeria”, explica. O resultado disso está no MySpace.

O novo projeto de Luciana é The Dream Machine, música feita sobre as gravações do escritor veterano Brian Barritt (amigo de Timothy Leary que, aliás, já experimentou a engenhoca). Também está focada em projetos sobre consciência fora do corpo.

Transitando no limite entre arte e ciência –e, claro, experimentação –, Luciana ainda faz parte do Institute of Unnecessary Research (Instituto da pesquisa desnecessária), que reúne artistas e pesquisadores de áreas alternativas. Não por acaso, o lema do Instituto é a frase de Albert Einstein: “se nós soubéssemos o que estávamos fazendo, aquilo não seria chamado de pesquisa, seria?”.

—- Leia mais:Link no papel – 27/09/2010

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