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Jornalista, escritor e palestrante. Escreve às quintas

Opinião|Vivemos noutro mundo

Não custa lembrar: o mundo já é muito diferente do que elegeu Dilma Rousseff há quatro anos

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O que é a vida digital? São os gadgets que usamos, as redes que acessamos, o drone comprado de presente para fazer fotos do alto? Ou é algo que começa a permear mais e mais em nossas vidas, de formas que sequer percebemos? Na noite de domingo, a imprensa italiana apostava na vitória do grupo político do ex-premiê Silvio Berlusconi. Seu partido ficou em quarto. Em primeiro chegou o Movimento Cinco Estrelas (M5S), ideologicamente indefinido. Um movimento que nasceu na internet.

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Em geral, as discussões sobre política no Velho Continente passam por alguns eixos. O resultado das eleições é favorável ou contra a União Europeia? Ou então: como se posicionaram os eleitores a respeito de imigrantes? Por fim, uma preocupação recorrente. A extrema-direita está em ascensão? Claro, fala-se sempre também da deterioração dos partidos tradicionais.

Mas poderíamos ir além.

O Movimento Cinco Estrelas nasceu na internet, fundado por um blogueiro, e sua maior preocupação é instituir uma democracia mais digital. Na Espanha, diferentemente do M5S, o Podemos não tem nenhuma ambiguidade ideológica. É de esquerda. Nas eleições de 2016, tornou-se a terceira força política do país. Tampouco é indefinido o En Marche!, que na França elegeu o presidente Emmanuel Macron e mais de metade dos deputados no final do ano passado. É um movimento liberal. Ideologicamente distintos, os três têm em comum o fato de serem eleitos com campanhas baseadas principalmente na comunicação digital.

Ora. Donald Trump gastou, em campanha, uma fração do que torrou Hillary Clinton. Se o Partido Republicano se definiu, nos últimos anos, como liberal na economia, anti-liberal nos costumes, Trump é outro bicho. Populista na economia, um discurso vagamente reacionário que em nada combina com sua vida pessoal e um flerte aberto com a extrema-direita racista. Sua política em muito pouco se assemelha com a dos Bushes, com Ronald Reagan. Não é um republicano — é alguém que sequestrou o partido por dentro, fez uma campanha pela internet e entrou na Casa Branca pela porta da frente.

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Em 2009, quando jovens iranianos tomaram as ruas numa revolução sem sucesso, mas se organizando pelo Bluetooth dos celulares, era exótico, porém instigante. Entre 2010 e 2011, a Primavera Árabe tocada via Twitter foi uma esperança de liberdade num canto oprimido do mundo. Quando o Podemos! chegou em terceiro naquele junho de 2016 espanhol, era curiosidade e foco de atenção. Trump, quase seis meses depois, poderia ser uma bizarrice.

Com Macron e o M5S, em democracias estabelecidas, já dá para chamar de regra.

Na quarta-feira, Jair Bolsonaro se filiou ao PSL. Fingimento puro: o partido lhe é irrelevante. Na pesquisa CNT/MDA divulgada esta semana, lá está ele, em primeiro no cenário sem Lula, com os mesmos 20% que tinha uns tantos meses atrás. Pela ferramenta da consultoria Torabit dá para ver de longe: é o candidato mais curtido, com mais fãs, mais compartilhado. Muita gente boa aposta que ele vai derreter. Talvez.

Esta não é uma previsão, até porque Bolsonaro não é o único a operar de forma inteligente no digital. Tanto a Rede quanto o Novo têm esta ambição. E há movimentos que não são partidos mas tentam influenciar no pleito. O Agora, com um corte ideológico similar ao de Macron. O Brasil 200, conservador. O próprio MBL, com seu histrionismo de direita. A turma do Quero Prévias tentou reorganizar a esquerda pela internet — o PT não deixou.

A eleição ainda está indefinida e o fisiologismo partidário brasileiro entranha, resiste. Mas não custa lembrar. O mundo já é muito diferente daquele que elegeu Dilma Rousseff faz quatro anos.

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