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Aceleradoras mudam de perfil e se unem a corporações para programas

Responsáveis por impulsionar ecossistema brasileiro de startups agora apostam em projetos de inovação com grandes empresas e investimentos 'personalizados'; programas sem contrapartida de ações também viram moda

Por Bruno Capelas
Atualização:

Receber milhares de ideias para criar uma startup. Escolher as melhores. Colocar os donos dessas ideias em imersão. Ajudá-los a testar a viabilidade do negócio. Investir, em média, cerca de R$ 100 mil em troca de uma fatia da nova empresa, torcendo para que o negócio cresça e proporcione o retorno esperado. Na última década, o ecossistema de startups do Brasil se acostumou a ver aceleradoras usando a fórmula acima, criada no Vale do Silício por nomes como Y Combinator e Plug and Play. Mas isso está mudando: cada vez mais, surgem programas de aceleração corporativa – onde uma grande empresa “patrocina” a mentoria das novatas, em troca de estar perto de inovação – e aceleradoras tradicionais mudam de perfil para se adequar aos novos tempos. 

Transformação. Pioneira no mercado do País, Ace, de Garutti, aboliu programa de aceleração e passou a fazer investimentos 'customizados' em startups Foto: Taba Benedicto/Estadão

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Pioneira no mercado nacional, a paulistana Ace é talvez quem melhor exemplifique essa transformação. Fundado em 2012, ainda como Aceleratech, o grupo acelerou mais de 300 empresas até junho deste ano, quando renovou sua cara. Além de extinguir seu tradicional programa de aceleração, a Ace passou a se apresentar como uma empresa de inovação, dividida em duas áreas. 

A Ace Startups agora é uma empresa de investimentos, que faz aportes em empresas iniciantes e ajuda-as a crescer de forma personalizada, enquanto o Ace Cortex faz projetos de inovação com grandes empresas – incluindo programas de aceleração no qual a Ace escolhe startups através das metas estabelecidas pela corporação. 

“O cenário mudou muito: se antes a aceleradora dava um aporte importante, quem tem uma ideia agora já tem mais apoio de capital de outras fontes, como investidores anjo ou fundos de capital semente”, explica Arthur Garutti, executivo da Ace Startups. “Também percebemos que fazia mais sentido ajudar as startups de forma customizada, com soluções específicas.” Agora, para escolher seus investimentos, que vão de R$ 200 mil a R$ 2 milhões, a Ace usa um algoritmo próprio, que leva em conta cerca de 44 variáveis para tomar uma decisão. 

Gerar contratos entre startup e grande empresa vira prioridade

Quem mudou de perfil foi a Wayra, que pertence à operadora Vivo. Criada em 2011, a divisão foi um exemplo de aceleração corporativa para o ecossistema local, mas virou a chave no ano passado para virar um misto de hub de inovação e fundo de investimentos semente, em torno de R$ 500 mil. Segundo Renato Valente, diretor da Wayra, a mudança acelerou processos na Vivo.

As empresas que investimos agora já têm 40, 50 funcionários, e são capazes de prestar serviços para nós, brigando de frente com as gigantes do mercado”, diz. “Antes, era preciso esperar dois ou três anos para a startup maturar e conseguir ser útil para nós ou para outras companhias.” 

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Renato Valente, da Wayra: aportes em startups mais maduras Foto: JF Diorio/Estadão

O foco, porém, não mudou: a Wayra não investe só em empresas que têm relação direta com o negócio da Vivo, mas também em áreas como finanças, saúde e internet das coisas. Em 2019, foram três investimentos até aqui. “Antes meu desafio era fazer as startups crescerem. Agora, é ajudá-las a fechar contratos milionários”, diz. Para Valente, a mudança de perfil das aceleradoras se deve, sobretudo, ao risco das operações. “É difícil fazer a conta fechar em um programa de aceleração tradicional, porque muitas empresas morrem pelo caminho.”

Das 72 startups aceleradas pela Wayra entre 2011 e 2018, 36 seguem no portfólio da empresa, 30 faliram e 6 foram “desinvestidas” – isto é, deram retorno para o investimento. É um número alto: segundo estudo recente da Associação Nacional de Entidades Promotoras de Empreendimentos Inovadores (Anprotec), apenas 3% das startups aceleradas no País geraram “desinvestimento”. 

Vale ressaltar, porém, que o ciclo de desinvestimento de startups é longo – costuma levar entre sete e dez anos, prazo que ainda não se encerrou para a maioria das aceleradoras no País. Mas o próprio relatório indica que programas de aceleração corporativa talvez sejam mais sustentáveis para o setor. Segundo o relatório, há hoje 57 aceleradoras no Brasil. 

Programas sem contrapartida de participação também viram moda

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Criada em 2015, a Liga Ventures já nasceu com o foco na aceleração corporativa. Hoje, tem mais de 30 programas diferentes, de empresas de vários setores – incluindo quem, à primeira vista, parece distante das startups, como a Bauducco, que tem inscrições abertas para o programa B.Lab. “Hoje, todo mundo tem algo a inovar, não importa o setor. Queremos experimentar no negócio, mas também nos alimentos e nas embalagens”, diz Luís Fernando Gomes, gerente de novos negócios da Bauducco. 

A novidade é que o programa da Bauducco não tem aportes diretos nas startups – algo que vem sendo chamado pelo mercado de “sem equity” (“sem ações”, em tradução literal). “Percebemos que discutir um investimento, para as grandes empresas, pode trazer um nível de complexidade grande enquanto ela precisa inovar rápido. É melhor usar o capital para outros recursos e, se ao fim do programa, a startup tiver algo interessante, aí sim fazer o investimento”, diz Guilherme Massa, cofundador da Liga Ventures. 

O trio de fundadores da Liga Ventures: Guilherme Massa, Daniel Grossi e Rogerio Tamassia Foto: Eduardo Kenji Misawa/Liga

É no que também acredita a Kyvo, que surgiu como consultoria de design passou a fazer programas de aceleração corporativos – entre os clientes, tem a cervejaria Estrella Galícia e a Visa. “Achamos que era injusto com as startups tomar equity logo de início. Somos remunerados pelas grandes empresas”, diz Clara Bidorini, chefe de Corporate Venture na Kyvo. 

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Há quem se questione, porém, se o novo modelo de desenvolvimento de startups pode torná-las mais “dependentes” das grandes corporações – é difícil pensar como seriam casos de sucesso como Uber, Airbnb ou Nubank, se eles tivessem feito algo similar. Para Garutti, da Ace, o empreendedor deve pensar duas vezes antes de entrar num programa corporativo. 

“Se a corporação propõe contratos de exclusividade ou travas para o negócio, a startup pode virar só um departamento da grande empresa. É jogar água no chope da mágica”, diz o executivo. Para Valente, da Wayra, essa discussão é válida para poucas novatas. “Entrar na aceleração corporativa ainda é a melhor entrada para quem quer vender para uma grande empresa.”

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Das antigas, Farm segue fazendo programa tradicional

Das aceleradoras pioneiras no mercado brasileiro que ainda estão na ativa, a StartupFarm é uma das poucas que mantiveram seu tradicional programa de aceleração – focado em “passar para os fundadores a forma de pensar rápido o modelo de negócio e como evoluí-lo”, como destaca o presidente executivo da Farm, Alan Leite.

“Temos o programa há oito anos e ele sempre foi diferente, vem mudando com o mercado.” A aceleradora também segue fazendo investimentos em algumas das startups aprovadas no programa – segundo Leite, a participação média da Farm nas novatas fica em 7%, mas pode chegar a até 10% das ações.

Mas a aceleradora também está próxima das empresas: suas últimas turmas tiveram parceiros como BB e Visa, que buscam startups com finalidades específicas. 

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