‘As políticas brasileiras estão em conflito’, diz pesquisadora do MIT

Para Elisabeth Reynolds, governo incentiva inovação, ao mesmo tempo que impõe limitações à indústria

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Por Renato Cruz
Atualização:
Elisabeth Reynolds, diretora executiva do Centro de Desempenho Industrial do MIT, durante o Fórum Estadão Brasil Competitivo Foto: Hélvio Romero/Estadão

O Brasil é objeto de estudo da diretora executiva do Centro de Desempenho Industrial do Massachusetts Institute of Technology (MIT) há alguns anos. Nesse período, ela tem identificado alguns dos principais obstáculos à inovação no País, como políticas industriais muito rígidas com relação a conteúdo local, que acabam sendo uma antítese aos incentivos do governo à inovação. A seguir, trechos da entrevista ao Estado:

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Estado: Quando a sra. começou a estudar a inovação no Brasil? Elisabeth Reynolds: Nossa pesquisa está quase no quarto ano, com uma equipe de nove ou dez pesquisadores e patrocínio do Senai. Como você sabe, o Senai começou a incorporar mais inovação ao seu trabalho. E deu início à bela iniciativa de construir uma rede de institutos de inovação, baseada no modelo Fraunhofer, da Alemanha. Nosso objetivo é estudar como esses centros se encaixam no ecossistema de inovação brasileiro, que emergiu e se desenvolveu nos últimos 10 ou 20 anos. 

O que concluíram até agora? Uma das coisas que descobrimos é que o Brasil deu vários passos importantes e teve alguns sucessos significativos em inovação, desde que isso se tornou uma prioridade para o País no começo dos anos 2000. Muitas áreas receberam investimento do setor privado. Houve mais parcerias entre empresas e universidades. Vimos grande crescimento em atividade empreendedora. Mas não temos visto os resultados desse trabalho. O ganho real tem sido limitado.

Quais são os obstáculos? Acho que existem quatro desafios. O primeiro é a falta de integração à economia mundial. O País é relativamente fechado, o que torna mais difícil acessar conhecimentos importantes. Isso leva ao segundo entrave, que é o alto custo de fazer negócios no Brasil. Quem quiser estar na fronteira, por exemplo, da Indústria 4.0 (tendência em que tecnologias como inteligência artificial, internet das coisas e análise de dados são aplicadas à produção), tem de ser capaz de acessar novas tecnologias e ideias. Esse exercício é custoso no Brasil.

Qual é o terceiro obstáculo? O Brasil obteve alguns sucessos ao tirar proveito de suas vantagens competitivas, mas as políticas apoiaram muitos setores nos últimos anos. Acho que seria mais vantajoso para o País se especializar. Existe pesquisa de fronteira, globalmente competitiva, sendo feita no Brasil hoje. Em biotecnologia, energias renováveis, aeroespacial, óleo e gás. Se forem alinhados recursos e políticas, se houver incentivo para investir, isso colocaria o Brasil na dianteira.

E o quarto? O quarto problema é a maneira como o Brasil se organiza para se tornar mais competitivo. Por conta da crise fiscal, o governo federal está numa situação difícil, sem poder de liderar uma estratégia de longo prazo. É preciso que surjam novas organizações para ajudar.

O que a sra. acha das políticas de inovação que o Brasil pôs em prática nos últimos anos? Muitas delas funcionaram na direção correta. Algumas políticas deram às universidades mais flexibilidade para trabalhar com a indústria. Outras tentaram apoiar o empreendedorismo. Mas, muitas vezes, a política de inovação está em conflito com a política industrial. Vou dar um exemplo: tentaram incentivar multinacionais a investir em pesquisa e desenvolvimento no País. O que é uma boa política, que mostrou resultados reais. No entanto, ela entra completamente em choque com políticas industriais que insistem que essas mesmas empresas produzam equipamentos no País. Com políticas que impõem regras de conteúdo nacional muito rígidas, que não permitem que as empresas inovem, experimentem ou sejam flexíveis. Isso se reflete na cultura e na economia da inovação.

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