Boa ideia da Yellow não garante que negócio seja sustentável

Custo de bicicletas e manutenção, viagens com preço baixo e risco de multas podem frear operação da startup, dizem especialistas

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Por Bruno Capelas , Claudia Tozzeto e Mariana Lima
Atualização:
Febre. Garoto chinês usa bike da Ofo, inspiração da Yellow Foto: Reuters/Jason Lee

À primeira vista, compartilhar bicicletas com ajuda de aplicativos parece uma grande ideia. Para o usuário, é fácil, barato, não polui, pode diminuir congestionamentos, além de ajudar na saúde. No caso da Yellow, a experiência prévia dos sócios – Ariel Lambrecht e Renato Freitas, pela 99, Eduardo Musa, pela Caloi – também conta bastante. Mas, segundo fontes ouvidas pelo Estado, colocar o negócio de pé na cidade de São Paulo pode ser uma tarefa bastante complicada.

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Há algumas razões para isso. Para começar, o preço médio das viagens será baixo. Segundo regulação aprovada pela Prefeitura de São Paulo, cidade onde a empresa começará suas atividades, o valor máximo a ser cobrado pelo empréstimo da bicicleta será R$ 8 – o equivalente a duas passagens de ônibus ou metrô. A Yellow quer cobrar menos. “Nosso serviço tem de ser mais barato que uma passagem”, diz Eduardo Musa, presidente executivo da startup. 

Outro fator é o custo inicial para colocar as bicicletas na rua. Na Yellow, além de desenvolver um sistema e conquistar usuários, a Yellow também precisa gastar com suas próprias bicicletas. “A 99 não precisou comprar ou consertar nenhum carro. A Yellow vai precisar de recursos para comprar as bicicletas, cuidar da manutenção e eventuais roubos ou atos de vandalismo”, diz Paulo Furquim de Azevedo, coordenador do centro de estudos em negócios do Insper. “O aporte de US$ 9 milhões é um excelente começo, mas é só suficiente para começar o negócio.” 

Algo que também pode pesar nas contas da empresa é a ideia de permitir que os usuários deixem a bicicleta em qualquer lugar, sem usar estações – caso elas obstruam a passagem em calçadas ou ruas, a Yellow poderá ser multada.

Tipo importação. No exterior, o compartilhamento de bicicleta já é uma realidade para os usuários – mas ainda precisa se provar enquanto negócio. Segundo apurou o Estado, a vasta maioria das empresas que atuam no setor ainda não é capaz de dar lucro. É um jogo de apostas altas – e muito risco.

Na China, onde a bicicleta é há tempos um meio de transporte popular, as startups conquistaram, juntas, mais de US$ 2 bilhões em aportes nos últimos dois anos. Muitas delas, porém, perderam o fôlego e já deixaram o mercado – como Bluegogo, Coolqi e Mingbike –, deixando para trás cemitérios de “magrelas” em ferros-velhos nas grandes cidades do País.

Dois nomes permanecem vivos. A chinesa Ofo, apoiada por Alibaba e Didi Chuxing e citada como inspiração e mentora da Yellow, e a Mobike, que foi comprada por US$ 2,7 bilhões no fim de 2017 pelo aplicativo de recomendações Meituan Dianping. Nos Estados Unidos, o setor ainda é disputado por uma série de pequenas empresas – além de nomes como Uber e Ford, que testam soluções parecidas. A cultura “do carro”, porém, é um fator difícil de superar nos EUA.

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Última milha. O principal uso das bicicletas da Yellow, na visão de seus sócios, deverá ser na chamada “última milha”. É um termo técnico para identificar o percurso entre a casa ou o trabalho do usuário e uma estação de metrô ou trem. Hoje, esse tipo de trajeto é feito a pé, por linhas de ônibus ou até mesmo pelo transporte particular comandado por aplicativos, como Uber e 99.

O compartilhamento resolve um problema essencial do uso da bicicleta na mobilidade urbana: onde estacioná-la depois que o usuário chega às estações. “Por conta dessa característica, é um negócio com muito potencial”, diz Ciro Biderman, professor da Fundação Getulio Vargas de São Paulo (FGV-SP). Segundo o secretário municipal de transportes, Sérgio Avelleda, esse tipo de uso pode ajudar a cidade a reduzir congestionamentos e lotações em ônibus, ao mesmo tempo em que incentiva o uso do transporte público sobre trilhos. 

Para especialistas, o apoio do governo é importante para a consolidação de negócios de compartilhamento de bicicletas. No caso de São Paulo, a experiência de construção de ciclovias na gestão do petista Fernando Haddad (2012-2016) é citada como fator crucial para que uma empreitada como a da Yellow seja possível agora.

“Receber um impulso do poder público pode fazer diferença na viabilidade do negócio”, diz Furquim. Questionado sobre o assunto, o secretárioSérgio Avelleda resume a questão de forma simples. “Criamos um ambiente regulatório para o negócio funcionar bem, mas o risco é das empresas”, diz ele, afirmando que está disposto a fazer ajustes nas regras. 

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