Empresas de realidade virtual buscam inspiração na ficção científica

Para explicar aos consumidores como será a tecnologia do futuro, fabricantes pegam conceitos emprestados da literatura, da TV e do cinema

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Por Agências
Atualização:

Reuters

 

Nick WingfieldThe New York Times

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As empresas de tecnologia passaram anos desenvolvendo dispositivos melhores e mais baratos para levar as pessoas para o mundo digital; no entanto, ainda estão tentando descobrir como transformar a realidade virtual no tipo de tecnologia essencial para todos.

Aí se voltaram para a ficção científica em busca de inspiração.

Na Oculus, líder em realidade virtual, uma cópia do romance popular Jogador Nº 1 é entregue aos novos contratados. A Magic Leap, uma discreta startup de realidade aumentada, contratou escritores de ficção científica e de fantasia. O nome do HoloLens da Microsoft é uma homenagem ao holodeck, uma sala de simulação de Jornada nas Estrelas.

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“Como muitas outras pessoas que trabalham na área de tecnologia, não sou muito criativo. É bom que exista a ficção científica porque há pessoas realmente ágeis inventando o que pode ser o mais novo uso de alguma tecnologia. Elas têm um monte de ideias incríveis”, disse Palmer Luckey, 23 anos, cofundador da Oculus, que foi comprada pelo Facebook por US$ 2 bilhões, em 2014.

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E elas são especialmente relevantes agora, pois algumas das maiores empresas de tecnologia se aproximam de um grande avanço na nova geração de produtos de realidade virtual – e, nos próximos meses, aparelhos da Oculus, da Sony e da HTC estarão à venda. O dinheiro de empresas de capital de risco está sendo investido na indústria.

Como as pessoas vão interagir com os mundos imaginários? Ainda não se sabe. E é aí que entra a ficção científica: ela molda a linguagem que as empresas usam para comercializar a tecnologia, influenciar os tipos de experiências com os aparelhos e mesmo definir metas de longo prazo para os desenvolvedores.

“A ficção científica, em termos mais simples, é liberadora”, disse Ralph Osterhout, diretor-executivo do Osterhout Design Group, que trabalha com óculos de realidade aumentada.

Talvez nenhuma obra ficcional ressoe mais em toda a indústria hoje do que Jogador Nº 1, escrito por Ernest Cline e que agora está sendo transformado em filme por Steven Spielberg.

Reprodução

Grande parte da ação do livro ocorre dentro da OASIS, uma rede global de realidade virtual. Aqueles que participam dela frequentam a escola, socializam e participam de uma grande caça ao tesouro. Através da realidade virtual, podem ter a perspectiva de atores de filmes clássicos.

O livro foi publicado em 2011, na mesma época em que Luckey começou a desenvolver o primeiro protótipo do Oculus. Ele disse que aprecia o modo com que Cline mostra as personagens controlando seus avatares por meio de trajes de corpo inteiro, diferente dos cabos cerebrais de “Matrix”.

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“Uma das coisas que gosto em Jogador Nº 1 é que tudo no livro é muito viável. Não é uma tecnologia louca e inatingível”, disse Luckey.

A empresa deu três mil cópias do livro para os participantes de uma conferência de desenvolvedores do Oculus no ano passado. A empresa batizou as salas de reunião de sua sede com nomes das famosas versões ficcionais de realidade virtual, incluindo holodeck, OASIS e Matrix, do filme de mesmo nome e, antes disso, de Neuromancer, de William Gibson.

Cline disse que escreveu Jogador Nº 1 em parte porque não conseguia descobrir por que a realidade virtual não havia decolado do mundo real.

“Acho que foi o mesmo impulso que guiou Palmer. Cresci com Neuromancer e Max Headroom, que influenciaram meu trabalho, assim como o dos empresários”, disse Cline, que visitou a Oculus várias vezes para falar com os funcionários.

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Os aficionados da tecnologia não precisam de nenhum incentivo de seus empregadores para ler ou assistir a ficção científica, que há muito tempo é um dos pilares da cultura geek. Atire uma pedra no Vale do Silício e há uma grande probabilidade de acertar um engenheiro de software que sabe exatamente o tempo que a nave Millennium Falcon levou para completar a Corrida Kessel em “Star Wars”. (Menos de 12 parsecs, de acordo com Han Solo. O uso desse termo que mede distância – um parsec equivale a 3,26 anos-luz – em vez de tempo já foi assunto de artigos inteiros.) O gênero influenciou muitas áreas da tecnologia, de smartphones até a robótica e a exploração espacial.

Mas há algo único sobre a interação entre ficção científica e realidade virtual, tecnologia que é essencialmente um instrumento que faz as pessoas acreditarem que estão em algum lugar que de fato não estão – ou que são outra pessoa. Ela é um meio, como a televisão ou o videogame, que usa elementos de mundos virtuais onde vivem personagens fictícios.

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A Magic Leap de Dania Beach, na Flórida, que conta com o Google como um de seus grandes investidores, foi ainda mais longe do que a maioria das empresas ao contratar três escritores de ficção científica e fantasia para sua equipe. A mais famosa é a de Neal Stephenson, que bolou o mundo virtual Metaverso em seu romance seminal de 1992, Snow Crash (editado com esse nome em inglês no Brasil).

Em uma entrevista, Stephenson, que tem o cargo de “chefe futurista”, preferiu não dizer no que estava trabalhando na Magic Leap, contando apenas que era um dos vários “projetos de conteúdo” existentes na empresa.

Em uma visão mais geral, Stephenson disse que filmes e livros de ficção científica são geralmente úteis dentro de empresas de tecnologia, pois mobilizam os funcionários em torno de uma visão compartilhada.

AFP

 

“Minha teoria é que a ficção científica pode realmente ter algum valor, pois todos estão na mesma página sem ter que recorrer ao processo tedioso e caro do PowerPoint”, disse ele.

“Mas a influência do gênero dentro de empresas de tecnologia é surpreendente e misteriosa até para mim”, acrescentou.

Porém, há um tema muito usado na ficção científica que os fãs da área tecnológica abordam menos: os aspectos distópicos de realidade virtual. Vício, desconexão de relacionamentos e alienação do ambiente são, muitas vezes, efeitos secundários nas narrativas. É difícil transformar isso em chamariz para a tecnologia.

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“Os empreendedores são otimistas por natureza, é por isso que gosto de andar com eles. Todos têm uma capacidade admirável de ignorar completamente os elementos mais distópicos e ver as coisas legais e o potencial positivo do que podemos fazer”, disse Stephenson.

Claro, escritores e cineastas deixam alguns detalhes de lado – como o grande desafio enfrentado pelas empresas reais de tecnologia.

“Não é preciso reiniciar nenhuma máquina em livros de ficção científica. A experiência é muito mais interessante para a maioria dos escritores desse gênero do que a mecânica”, disse Genevieve Bell, antropóloga cultural que trabalha na Intel e que escreveu sobre a interação entre tecnologia e ficção científica.

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