Entenda os entraves para o Plano Nacional de Internet das Coisas sair do papel

Previsto para ser lançado até o fim do ano, plano do governo quer impulsionar Brasil em tendência tecnológica, mas tem obstáculos relevantes para se tornar realidade

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Por Bruno Capelas e Claudia Tozzeto
Atualização:
Estudo de R$ 17,5 milhões patrocinado pelo BNDES que vai nortear o Planofoi apresentado durante a Futurecom, em São Paulo Foto: Studio F/Futurecom

Um dos projetos mais ambiciosos do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicações (MCTIC) nos últimos anos, o Plano Nacional de Internet das Coisas quer tornar o Brasil um líder nesta revolução tecnológica, que vai conectar todos os objetos à nossa volta. Previsto para ser lançado até o final do ano, o plano será baseado em um estudo de R$ 17,5 milhões feito por um consórcio entre a consultoria McKinsey, o escritório Pereira Neto Macedo Advogados e o Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em Telecomunicações (CPqD), divulgado na terça-feira, 3, durante a Futurecom, maior evento de telecomunicações da América Latina, que acontece nesta semana em São Paulo. 

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Apesar do otimismo exibido pelo governo, o Plano Nacional de Internet das Coisas, antes mesmo de “nascer”, já tem obstáculos bastante relevantes para lidar. Entre eles, há questões econômicas -- afinal, em um panorama de crise fiscal e cortes em diversos ministérios, de onde virá o dinheiro para executar o projeto? -- e político-regulatórias -- parte das ações previstas no estudo feito pelo consórcio pedem mudanças na legislação, que deverão ser discutidas em pleno ano eleitoral. Entenda o que está em jogo a seguir:

Contra o tempo e o dinheiro. O estudo que foi apresentado durante a Futurecom definiu 76 ações diferentes, entre iniciativas de fomento à inovação e mudanças regulatórias, em quatro setores prioritários (saúde, agronegócio, cidades inteligentes e indústria), para destravar a internet das coisas no País. No entanto, já se sabe que nem todas dessas ações poderão ser realizadas no curto prazo -- tanto pelo orçamento da União, ainda afetado pela crise fiscal, quanto pelo pouco mais de um ano até o fim da gestão Temer. 

“Vamos colocar as ações prioritárias dentro do orçamento existente”, disse Maximiliano Martinhão, secretário de Políticas de Informática do MCTIC, em entrevista ao Estado, “em áreas nas quais consideramos que há uma oportunidade única para o Brasil.” Segundo o secretário, o Plano, previsto para ser publicado até o fim do ano em forma de decreto, vai trazer metas que podem ser realizadas até o fim do governo Temer, e prever iniciativas para a gestão seguinte. 

Uma das prioridades, segundo o secretário, será a criação de polos de inovação, formados com o apoio de institutos de pesquisa de referência na área, como o Centro de Estudos e Sistemas Avançado do Recife (Cesar), o Centro de Pesquisas e Desenvolvimento (CPqD) e o Laboratório de Sistemas Integráveis (LSI), da Universidade de São Paulo. 

Segundo Carlos da Costa, diretor de crédito, TI, pesquisa e planejamento do BNDES, a instituição ainda não definiu qual será o volume de recursos aportados para ajudar a viabilizar o plano, mas que o banco possui os recursos necessários, mesmo no cenário de crise fiscal atual. Para o executivo, as ações do estudo podem ajudar o País a se tornar líder em diversos segmentos. "Queremos ser exportadores de soluções de internet das coisas para o setor rural, especialmente na agricultura tropical", afirmou, durante a apresentação do estudo. 

Para Mário Lemos, líder de internet das coisas da consultoria Accenture, as áreas de agronegócio e indústria tem maior potencial para andar sozinhas, com aportes da iniciativa privada, sem depender tanto dos investimentos do governo.“Agora, quando você fala de cidades inteligentes, não adianta, é preciso ter aportes governamentais”, disse o analista. 

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Lei de Dados. Questões regulatórias também devem entrar como prioridades do Plano Nacional de Internet das Coisas -- a maior parte delas, no entanto, deve ser discutida apenas no ano que vem, tido como difícil pelos analistas por conta das eleições. “Temos visto muitas pautas travadas, até por toda a sensibilidade do momento atual. 2018 ser ano eleitoral pode ter impacto nessas discussões sim”, afirmou Lemos, da Accenture. 

Segundo Martinhão, uma das pautas que devem ganhar velocidade nos próximos meses por conta do Plano Nacional de Internet das Coisas é a da Lei de Proteção de Dados Pessoais, que tramita no Congresso desde abril de 2016, mas é discutido pela sociedade civil desde 2010. "A Lei de Dados é básica para que a gente consiga gerar esse valor com o Plano Nacional de Internet das Coisas", disse Martinhão. 

De acordo com o secretário, o governo pretende discutir ajustes no texto atual -- uma das mudanças está na noção de "consentimento" dos usuários, também presente no Marco Civil da Internet. "Para fazer uma atualização no celular, hoje, o usuário precisa consentir com isso. Fazer o mesmo com qualquer objeto da internet das coisas pode torná-la inviável. Precisamos repensar isso", declarou Martinhão. 

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Telecomunicações. Outro tema bastante sensível que também perpassa a discussão é o PL 79, que reforma a Lei Geral de Telecomunicações, atualmente travado por uma liminar no Supremo Tribunal Federal. O projeto, que pode destravar investimentos na área de banda larga fixa e móvel, é tido pelas operadoras como básico para gerar a infraestrutura necessária para a viabilização do Plano Nacional de Internet das Coisas. 

“Somos uma parte fundamental, não vai haver internet das coisas se não houve internet disponível”, diz Eduardo Navarro, presidente executivo da Vivo. “É saudável que o governo tenha entendido a importância desse setor, mas é preciso adaptar o marco regulatório a essa nova realidade em que não só as pessoas, mas também as coisas usam a internet.”

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