Escolas começam a rever ensino de programação

Depois de conquistar professores e pais com a promessa de criar uma geração de ‘Mark Zuckerbergs’, o ensino de programação passa por reforma para se transformar em ferramenta multidisciplinar

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Foto do author Matheus Mans
Por Matheus Mans e Giulia Costa
Atualização:
  Foto: Werther | ESTADÃO CONTEÚDO

A paulistana Paloma Oliveira, de 18 anos, foi uma das primeiras alunas brasileiras a frequentar aulas de programação no Brasil, quando estava no 1º ano do Ensino Médio. As aulas, que aconteciam uma vez por semana, eram sempre iguais: os alunos sentavam-se em frente aos computadores e escreviam códigos e mais códigos, mas não viam nenhum resultado prático de suas criações. “A aula de programação era vista como de menor importância”, diz Paloma. Hoje, a estudante de moda não vê qualquer utilidade na programação em sua vida profissional. “Não me ajuda em nada. Nem lembro do que aprendi.”

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Ela não é a única. Em conversas com a reportagem do Estado, vários estudantes que assistiram a aulas de programação durante o Ensino Fundamental e Médio no Brasil nos últimos anos relatam situações parecidas: alguns não aproveitaram as aulas e outros se dizem pouco interessados na disciplina. O fato é que alguma coisa deu errado quando as escolas brasileiras decidiram que a programação deveria ser parte da grade curricular.

A programação começou a fazer parte do cotidiano das escolas brasileiras em meados de 2013, quando grandes líderes do setor de tecnologia – como o cofundador da Microsoft, Bill Gates, e o fundador e presidente executivo do Facebook, Mark Zuckerberg – começaram a alertar sobre a necessidade do conhecimento básico sobre programação. Depois de escolas na Europa apostarem na nova disciplina (leia acima), grandes colégios particulares brasileiros, como o Visconde de Porto Seguro e o grupo Objetivo, passaram a oferecer a programação no Ensino Fundamental e Médio.

A chegada da programação às salas de aula, porém, foi conturbada. As escolas passaram a usar a programação como um meio de aumentar a qualidade percebida pelos pais, sem se preocupar com o método de ensino para os alunos. “Os pais e as instituições criaram a ilusão de que iam transformar seus filhos de quatro anos em Steve Jobs”, diz o pesquisador de tecnologia educacional, Francisco Tupy.

Antes exclusiva dos cursos técnicos e universitários ligados às ciências da computação, a programação não foi adaptada para ser ensinada para crianças e adolescentes: os educadores adotaram apenas o método POI (instrução baseada em padrões, na sigla em inglês), baseado em exercícios sobre a teoria por trás das linguagens de programação. Na prática, os alunos não precisam resolver problemas reais, apenas enfileirar conceitos aprendidos nos livros.

“Não existe hoje, no Brasil, uma clareza sobre como ensinar programação”, afirma Bruna Nunes, coordenadora pedagógica do CDI, instituição que promove o uso de programação em mais de 16 países. “É preciso acontecer um ‘empoderamento’ digital.”

De acordo com os especialistas, há duas formas de ensinar programação. O primeiro é “aprender a programar”, em que os alunos apenas se familiarizam com as linguagens, mas não se tornam profissionais da área. No segundo, eles “programam para aprender”: a programação é encarada por professores como uma forma de exercitar a capacidade dos alunos em desenvolver projetos e estimular habilidades como criatividade, resiliência, resolução de problemas e pensamento analítico.

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“Habilidades como as geradas pelo segundo método são mais difíceis de serem percebidas pelos indivíduos que as desenvolvem por meio da programação”, afirma o coordenador de projetos da Fundação Lemann, Lucas Rocha. “Só que elas possuem maiores impactos no longo prazo.”

Integração. Um estudo realizado em 2014 pelo pesquisador de ciências da computação do Instituto Federal de Mato Grosso, Alexis Leal, em parceria com a Universidade Federal de Goiás, mostrou que o desempenho de alunos aumenta em 17,4% quando se alia o método tradicional de ensino de programação com jogos e atividades colaborativas. “As escolas e profissionais do ensino de programação não percebem que é positivo usar brincadeiras e atividades lúdicas nas aulas”, diz Leal.

Há exceções. Na Escola Municipal Vera Babo de Oliveira, em São José dos Campos, interior de São Paulo, alunos do Ensino Fundamental aprendem programação na quadra da escola. Essa foi a saída encontrada pelo professor de Educação Física, Wilson da Silva, para fazer com que seus alunos se animem com a disciplina, que tem despertado sua curiosidade nos últimos dois anos. “Era evidente a falta de interesse dos alunos”, relata o professor. “É preciso um diferencial para chamar a atenção.”

Em suas aulas, ele ensina os estudantes a fazer lances de basquete orientados por meio da linguagem de programação ou a correr pela área esportiva conforme os algoritmos criados pelos próprios alunos. Segundo o professor, quando os alunos enxergam a aplicação prática da teoria sobre programação aprendida em sala de aula, eles ficam mais motivados. “Em vez de ficar só ouvindo sobre programação, eles fazem na prática. Fica muito mais fácil e divertido de aprender.”

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O método usado por Silva é, segundo especialistas, a melhor representação de como deve ensinar a linguagem nas escolas. “A programação não é um fim por si mesmo e sim um meio, uma ferramenta”, diz Rocha. “O importante mesmo não é o resultado final, mas o processo pelo qual os estudantes passam durante essa construção.”

Perspectivas. Aulas de programação como as do professor Wilson são raras no Brasil, então ainda é difícil determinar o futuro do ensino de programação no País. Enquanto as escolas e outras instituições de ensino não inovarem no ensino do tema, o resultado não será diferente do que é visto hoje em dia. “Tenho muito medo de que a programação vire conteúdo formal nas escolas e não entregue o máximo que o ensino dela pode ensinar”, alerta Tupy.

Por outro lado, se as escolas começarem a apostar em métodos mais criativos, aliados a esportes e outras atividades colaborativas, a programação poderá despertar o interesse dos alunos e casos como o da estudante de moda Paloma podem se tornar menos recorrentes.

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“Será um processo bastante duro, custoso”, diz Leal sobre a mudança no método de ensino. “A gente precisava ter começado a transformação do ensino antes. Mas não podemos demorar mais.”

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