Foguetes reutilizáveis podem reduzir custos e acelerar avanços em viagens espaciais

A SpaceX, de Elon Musk, realizou o primeiro lançamento de um foguete reutilizável nesta semana

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Por Redação
Atualização:
O foguete Falcon 9 foi ao espaço e voltou para a Terra Foto: SpaceX via AP

A SpaceX fez algo na última quinta-feira, 30, que ninguém tinha feito antes: lançou em órbita um foguete mais barato que o comum e parcialmente usado.

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Isso representa um grande passo em direção à redução de preços que possibilitaria enviar cargas pagas para o espaço. Para Elon Musk, o bilionário fundador da companhia, conseguir reutilizar foguetes várias vezes é passo essencial para que seu sonho de mandar pessoas para Marte seja viável. Mas o que isso tudo signifa, de fato?

O que é um foguete reutilizado?

O propulsor é o principal segmento do foguete Falcon 9, que é composto por nove motores capazes de levantá-lo do chão. O propulsor usado na quinta-feira foi o mesmo que levou um carregamento da NASA até a Estação Espacial Internacional, em abril de 2016, e que depois pousou numa plataforma flutuante no Atlântico. Foi o segundo pouso bem sucedido do propulsor da SpaceX, e o primeiro na plataforma do oceano.

O propulsor recuperado foi transportado para um porto em Jacksonville, mas os oficiais da companhia não forneceram muitos detalhes sobre a remodelação. Em janeiro, ele havia sido testado nas instalações da SpaceX no Texas. Depois, ele foi enviado para a Flórida para ser preparado para o lançamento.

Adaptando uma terminologia usada por negociantes de carros, Gwynne Shotwell, presidente e chefe de operações da SpaceX, chamou o propulsor de reciclado. Martin Halliwell, chefe de tecnologia da SES, cujo satélite está no topo do foguete, o descreveu como “a prova de voos”.

O propulsor usado, de fato, funcionou tão bem como um novo. “Nós acabamos de ter um dia incrível hoje”, disse Musk.

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Por que isso é um grande feito?

É mais barato usar um foguete já usado do que um novo, bem mais barato.

Até agora, foguetes têm sido quase sempre usados uma vez só. Uma vez que o combustível acaba, o propulsor despenca em direção à Terra, o que é um fim rápido para uma máquina complexa que custou dezenas de milhares de dólares para ser construída.

Elon Musk disse que isso seria como descartar um jato 747 após um único voo, o que tornaria as viagens aéreas incrivelmente caras.

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Quão mais barato?

Ainda não sabemos. Shotwell, executiva da SpaceX, havia sugerido anteriormente que lançamentos com propulsores reaproveitados poderiam reduzir em até 30% o valor usual de US$62 milhões. Mas sabe-se que a SES pediu 50% de desconto. Ambas as companhias não divulgaram a taxa que foi negociada, só reconheceram que houve um desconto.

Assim, Musk sugere que o lançamento de foguetes pode eventualmente ser muito mais barato, já que o preço dos combustíveis equivale a menos de 1% do valor total de um lançamento. Então, se um foguete pudesse simplesmente ser reabastecido como um avião é, o custo de uma viagem espacial cairia para uma fração do que é agora.

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Mas o estresse que um voo no espaço provoca nos propulsores reutilizados — como acontece com a crescente quilometragem de um carro usado — são muito maiores. A economia vai depender de quantas vezes um propulsor poderá ser usado e de quanto vai ser a despesa individual para renovar o propulsor — principalmente os motores — a cada voo.

Os ônibus espaciais da NASA não eram reutilizáveis?

Naves reutilizáveis não são uma ideia nova. Escritores de ficção científica tem imaginado há muito tempo naves espaciais cruzando o sistema solar sem que os foguetes fossem descartados, como na série de TV A Expansão. Até nos anos 1960, engenheiros já imaginavam foguetes reutilizáveis.

Mas só os ônibus espaciais da NASA foram a primeira tentativa real de uma nave reutilizável, mas eles se mostraram mais delicados que esperado, demandando um exército de técnicos para repará-los entre os voos.Como resultado, eles acabaram sendo mais caros do que os foguetes descartáveis — algo próximo a dois bilhões de dólares por voo.

Como se pousa um propulsor?

Desde o começo, engenheiros da SpaceX projetaram propulsores da Falcon 9 para reutilizar. Os motores podem ser incendiados várias vezes, e a parte de baixo do foguete foi revestida para protegê-lo do calor intenso que a reentrada na atmosfera provoca.

Em um dos primeiros lançamentos do Falcon 9, SpaceX tentou usar um paraquedas para recuperar os propulsores, mas isso falhou. A companhia, então, tentou usar os 9 motores do propulsor para trazê-lo num pouso suave e preciso. Aletas em formato de grade (uma espécie de “barbatana” vazada) e propulsores com jatos frios são usados para virar e ajudar a guiar o propulsor a seu destino.

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Existe uma corrida espacial?

Blue Origin, uma startup de foguetes do Jeff Bezos, o fundador da Amazon, também está apostando alto em foguetes reutilizáveis. Eles estão começando baixo com o foguete suborbital chamado de New Shepard, que pretende levar turistas a viagens curtas pelo espaço.

O New Shepard já fez diversos voos acima de 100 km, que é a altitude considerada limite do espaço. No entanto, diferente da Falcon 9, a nave não consegue acelerar até as velocidades necessárias para orbitar a Terra.

A estratégia, então, é aperfeiçoar a tecnologia através de vários voos da New Shepard, e depois aplicar as descobertas na New Gleen — um foguete maior que a Falcon 9, que deve começar a ser lançado do Cabo Canaveral por volta de 2020. O propulsor da New Gleen deve pousar de maneira parecida com a que os da Falcon 9 pousam.

No entanto, antigas companhias de fabricação de foguetes, como a United Launch Alliance — uma joint venture entre a Boeing e a Lockheed Martin — fizeram estudos sobre foguetes reutilizáveis no passado, mas concluíram que os benefícios não compensavam o suficiente. Por exemplo, economizar combustível para o propulsor poder pousar reduzia a quantidade de carga que o foguete poderia levar em órbita, e reutilizar foguetes também elevaria o custo de produzir novos, porque poucos seriam construídos.

Hoje, a United Launch Alliance está planejando implantar um pouco de capacidade de reuso em seu próximo foguete, o Vulcan. Mas ao invés de pousar o propulsor, o plano é que seu compartimento de motores — a parte mais valiosa da nave — seja ejetado e caia com paraquedas, sendo recuperado no ar por um helicóptero.

Blue Origin e SpaceX parecem estar apostando que os lançamentos mais baratos levarão a muitos mais vôos no espaço, para excursões comerciais e de turismo.

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E o novo grande foguete da NASA?

A NASA está atualmente desenvolvendo o Sistema de Lançamento Espacial (S.L.E). Ele está prestes a se tornar o foguete mais poderoso da história e promete levar astronautas para além no espaço e eventualmente para Marte. O propulsor principal, com quatro motores, e os dois adicionais nas laterais, serão descartados a cada lançamento.

Daniel Dumbacher, um antigo oficial da NASA que supervisionou o desenvolvimento do S.L.E e agora é professor na Universidade Purdue, disse que a agência fez um estudo de possibilidades. No entanto, a conclusão foi que o imenso tamanho do foguete e a sua pequena quantidade de lançamentos — um a cada um ou dois anos — não valiam o custo.

Por que não recuperar os propulsores secundários também?

A SpaceX, originalmente, pretendia recuperar o propulsor secundário da Falcon 9 também. Ele é a peça que continua a levantar a carga para o espaço enquanto o propulsor central cai. Mas o secundário vai muito mais rápido e longe, o que torna mais difícil para trazê-lo de volta inteiro. Devido ao fato de que ele é uma parte menor e menos cara do foguete, com apenas um motor, a companhia desistiu do esforço.

Então isso vai levar SpaceX até Marte?

Não diretamente. O foguete Falcon 9 é muito pequeno para fazer viagens interplanetárias. Mesmo o grande Falcon Heavy, que a SpaceX planeja começar a lançar neste verão, é muito pequeno para levar pessoas até lá. (SpaceX quer usar o Falcon Heavy para enviar a cápsula Dragon não tripulada a Marte em 2020.) No entanto, Musk prevê uma espaçonave gigantesca — que ele chama de Sistema de Transporte Interplanetário —que um dia transportará seres humanos. Mas como ela seria muito cara para ser jogada fora, ele precisa resolver o problema de reutilização antes.

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Afinal, o que esse foguete levou ao espaço?

O satélite levado é o SES-10, que faz uma órbita geoestacionária e proverá serviços de telecomunicação para a América Latina. Ele conseguiu ser implantado cerca de meia hora depois de seu lançamento.

O que vem depois?

O próximo lançamento da SpaceX para NASA é uma missão de carga que está programada para Maio. Ela continuará com a proposta de reuso, pois apesar do foguete ser completamente novo, a missão vai reutilizar uma das cápsulas de uma missão de carga anterior.

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