Impressão 3D está longe das casas, mas já transforma escolas e hospitais

Enquanto tecnologia ainda é cara e difícil para o consumidor final, startups ajudam empresas de diversos segmentos a explorarem possibilidades da impressora 3D; potencial de personalização e custo baixo para produzir itens deve impulsionar adoção

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Por Bruno Capelas
Atualização:
Protótipo. Estudantes do Colégio Arquidiocesanofazem estrutura de carro em impressora 3D Foto: Amanda Perobelli/Estadão

Os olhos atentos vagueiam entre o computador e a impressora 3D, ansiosos para saber se o projeto – uma casa, um carro em miniatura ou até mesmo a base de lançamento de um foguete – virou realidade. Reunidos em um laboratório, os alunos do Colégio Marista Arquidiocesano, na zona sul da capital paulista, testam o potencial da nova tecnologia em sala de aula enquanto se preparam para uma realidade que pode moldar seus empregos no futuro.

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“Quando o aluno põe a mão na massa, ele não esquece o que aprendeu. Com uma tecnologia como a impressão 3D, a aprendizagem fica ainda mais significativa”, conta Cleusa Diniz, coordenadora de Tecnologia Educacional do Arquidiocesano.

Criada nos anos 1980 e à venda a partir do fim da década de 2000, a impressão 3D foi pensada para os consumidores domésticos: os fabricantes prometiam um futuro em que seria possível imprimir um tênis em casa em vez de ir até uma loja comprar um pronto. Esse futuro, porém, não chegou. O alto custo de impressoras – hoje, modelos de entrada custam a partir de R$ 2 mil –, a dificuldade de aprendizado da modelagem em 3D e até mesmo a falta de aplicações úteis afastaram a tecnologia do consumidor final.

“Em 2013, achamos que o mercado global estava pronto para nós, mas erramos”, diz Felipe Rosales, gerente-geral para a América Latina da Makerbot, uma das principais fabricantes de impressoras 3D. “Nem nos países desenvolvidos havia essa demanda.” Isso não quer dizer, porém, que a impressão 3D não tenha potencial de mercado: segundo dados da consultoria Deloitte, a impressão 3D movimentou US$ 4,8 bilhões em 2016. Até 2020, a previsão é de chegar a US$ 20,5 bilhões por ano. “Há enormes possibilidades para a impressão 3D na indústria, na área médica e na educação”, diz Marcia Ogawa, sócia da consultoria Deloitte no Brasil.

Os alunos do Arquidiocesano não estão sozinhos: outras escolas particulares de São Paulo, como Vértice, Etapa e Graded School também têm laboratórios com impressoras 3D. Todos eles foram montados pela 3D Criar, startup de São Paulo que desenvolve projetos com a tecnologia desde 2014. “Os laboratórios de impressão 3D têm o potencial para serem os novos laboratórios de informática”, diz André Skortzaru, cofundador da startup. “Com uma impressora 3D, alunos e professores criam projetos para diferentes disciplinas com custo baixo e qualidade industrial.”

Ter uma impressora 3D na escola não é exatamente caro: um dos “pacotes” vendidos pela 3D Criar custa R$ 6 mil: ele inclui uma impressora, conteúdo educacional e treinamento para professores saberem como usar a máquina. O custo, porém, pode chegar a R$ 300 mil se a escola quiser montar um espaço “maker” completo, com máquinas de corte a laser e fresadoras, usada para acabamentos. Para Pete Basiliere, vice-presidente de pesquisas da consultoria Gartner, “aprender sobre ciência ou design é uma das principais aplicações da impressão 3D para usuários não profissionais.”

Cirurgia. Além de tornar possível a produção de um objeto modelado na tela do computador, a impressão 3D tem outra característica importante: ela tem alto poder de personalização, sem afetar o custo do projeto. “Na impressão 3D, o principal custo é o do material, e ele não aumenta muito se você precisar modificar uma peça”, diz Pete Basiliere, da Gartner. Para o analista, esse potencial pode ser muito bem aproveitado na medicina em máquinas mais sofisticadas que as utilizadas nas escolas. Segundo projeções da consultoria, cerca de 30% dos implantes e dispositivos médicos serão feitos com auxílio de impressão 3D em 2020.

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É nisso que aposta a BioArchitects, startup de São Paulo que aguarda aprovação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para vender próteses de titânio impressas em 3D a partir de tomografias e exames feitos pelos pacientes. “Hoje, as próteses comuns têm tamanhos padrão e são ajustadas pelos médicos aos pacientes”, explica Felipe Marques, presidente executivo da startup, que já ganhou autorização semelhante nos Estados Unidos. “Quando você faz uma prótese a partir da tomografia, ela terá o encaixe perfeito.”

Modelo. A BioArchitects imprime órgãos em 3D para facilitar cirurgias Foto: Felipe Rau/Estadão

Enquanto aguarda a autorização, a startup investe em outra ideia: imprimir modelos de órgãos de pacientes baseados em exames. Isso ajuda os médicos a planejarem as cirurgias. “Com o modelo 3D das vértebras do paciente em mãos, por exemplo, o médico pode saber que materiais vai usar e qual será a ordem do procedimento”, afirma Marques. Segundo a empresa, em uma operação recente, um modelo em 3D criado pela startup ajudou uma equipe a economizar R$ 25 mil, entre aproveitamento de material e redução da duração da cirurgia.

A Casa de Saúde São José, no Rio de Janeiro, também aderiu à tecnologia: há duas semanas, a equipe de radiologia do hospital usou a impressão 3D para simular uma cirurgia no fêmur de um paciente. Com o modelo, os médicos analisaram quais placas e parafusos poderiam ser utilizados, reduzindo em 40% o tempo de cirurgia. “Para o paciente isso é fantástico, porque reduz a quantidade de anestesia e o custo da cirurgia, além de ajudar na recuperação”, diz Henrique Guenka, chefe de Radiologia da instituição.

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Pé no chão. Na indústria, há muito espaço para a utilização da impressão 3D. Ela é uma aliada para fazer protótipos ou peças de reposição rápida, como as de montadoras de automóveis. Ela também pode ajudar a criar produtos personalizados para cada consumidor.

Um exemplo disso é a parceria que a Adidas fez com a startup Carbon 3D para fabricar solas de tênis impressas. O processo permitirá a produção personalizada dos calçados, desenvolvidos para pessoas com peso e forma de andar diferentes. Até o fim do ano, a fabricante pretende vender as primeiras 5 mil unidades do produto. A meta é chegar a 100 mil tênis personalizados vendidos em 2018.