Israel faz a inovação ‘brotar’ no deserto

Universidade, startups e multinacionais de tecnologia se unem para criar pólo de cibersegurança e mais de 30 mil empregos em região árida

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Por Bruno Capelas e Israel
Atualização:
Terra prometida.Universidade Ben-Gurion, fundada em 1969, foi ponto de partida para criação de pólo que vai reunir exército e laboratórios de pesquisa Foto: ALBATROSS AERIAL PHOTOGRAPHY/UNIVERSIDADE BEN-GURION

Para David Ben-Gurion, primeiro homem a ocupar o cargo de primeiro-ministro de Israel, o futuro do país estava no deserto do Neguev. Com aproximadamente 60% do território atual do país asiático, a região era, para Ben-Gurion, onde “a criatividade e o vigor pioneiro de Israel” seriam postos à prova. Setenta anos depois, a visão do homem que assinou a Declaração de Independência de Israel, em 1948, está mais perto de se tornar realidade graças à cibersegurança.

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Hoje, Israel já ocupa uma posição de destaque no setor – no ano passado, as 350 empresas do país exportaram US$ 4 bilhões com produtos e serviços de cibersegurança, segundo dados do Instituto de Exportações de Israel. É uma fatia relevante do mercado global, que movimentou US$ 73,6 bilhões em 2016, segundo a consultoria IDC. Mas é pouco – e é a partir de Bersebá, principal cidade da região, localizada a pouco mais de cem quilômetros de Tel Aviv, que Israel planeja liderar a inovação em proteção de dispositivos conectados.

Para isso, há um esforço conjunto entre governo, academia, investidores, startups e multinacionais. Quem chegou primeiro por lá foi a Universidade Ben-Gurion (BGU), criada em 1969. “Começamos estudando irrigação e agricultura por uma questão de sobrevivência básica no deserto. Isso nos direcionou para a ciência e da tecnologia”, diz Rivka Carmi, reitora da instituição – em 2006, ela se tornou a primeira mulher a chefiar uma universidade israelense. 

Apesar do sucesso acadêmico, a instituição não conseguia reter estudantes após a graduação. “Eles voltavam para morar em Tel Aviv”, explica. Há cerca de dez anos, a BGU percebeu que precisava mudar isso, gerando empregos na região.

Para isso, criou o Advanced Technologies Park, um conjunto de prédios em que empresas de tecnologia podem instalar seus laboratórios de pesquisa e desenvolvimento, ficando em contato direto com os pesquisadores da universidade. O projeto começou em 2013, com o investimento de 1 bilhão de shekels – aproximadamente R$ 940 milhões – e prevê a instalação de dez prédios.

Dois já estão prontos – e abrigam empresas como a gigante de meios de pagamento PayPal, a fabricante de computadores Dell e a operadora alemã Deutsche Telekom. Outros dois estão em construção. Além disso, para cortar gastos e ajudar no desenvolvimento do interior do país, o exército israelense decidiu mudar suas unidades de ciberdefesa para Bersebá – e deve ocupar outros cinco prédios na região. Quando tudo estiver pronto, em 2025, o Neguev terá mais de 30 mil empregos em cibersegurança.

Impulso. Muitos já se beneficiaram da estrutura. É o caso do pesquisador Omer Shwartz, 31 anos, doutorando em cibersegurança da BGU e contratado do laboratório da Deutsche Telekom em Bersebá. Depois de passar pela artilharia do exército, ele se especializou nas interações de segurança entre hardware e software na BGU. Um dos exemplos, que a reportagem do Estado teve a oportunidade de conferir in loco, foi a descoberta de uma vulnerabilidade em smartphones que acontece quando uma tela se quebra e é substituída por outra “contaminada”.

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Shwartz escolheu a carreira acadêmica pura – outros, porém, podem se beneficiar do que aprenderam na universidade para criar uma startup ou gerar patentes. No primeiro caso, a região conta com o JVP Cyber Labs, um laboratório mantido por um dos principais fundos de venture capital de Israel.

Em 2013, o fundo investiu na CyActive, startup que desenvolve proteção contra malwares estudando-os da mesma forma que um cientista faz para gerar uma vacina. Dois anos depois, a empresa, criada por dois ex-alunos da BGU, foi vendida para o PayPal por US$ 60 milhões – de quebra, fez a companhia de pagamentos instalar um centro de pesquisa na região.

No segundo, é possível contar com o apoio da BGN Technologies, empresa que faz a ponte entre academia e indústria. “Nós conversamos com as empresas e com os professores. Conseguimos comercializar patentes e tecnologias inventadas na universidade e nossos mestres são também os executivos das empresas”, diz Netta Cohen, presidente executivo da BGN Technologies desde 2004.

Parte da experiência de Cohen é tipicamente israelense: no início dos anos 1990, ele foi o chefe de um “kibutz”, espécie de comunidade coletiva que ajudou a povoar o país durante o século 20. “No kibutz, você não paga salários nem pode demitir ninguém. Todo mundo depende de todo mundo e é preciso criar motivação nos outros. Isso me ajuda hoje: às vezes, é preciso ir além do dinheiro para incentivar as pessoas.”

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Se tudo der certo, o projeto de tornar Bersebá um pólo global da cibersegurança vai transformar a cidade. Hoje com 205 mil habitantes, a região pretende alcançar 500 mil pessoas em dez anos. Com o aumento do número de empregos, a prefeitura local investe na construção de novas casas, hospitais e escolas. Eles são planejados considerando a preocupação com a cibersegurança. “É uma ótima forma de estudar como proteger os dados”, diz Zehavi.

Há quem ache pouco. A reitora da BGU reconhece. “Bersebá ainda é periferia em Israel”, diz ela. “Mas somos a única universidade no sul de Israel e isso nos faz seguir em frente.”

*O repórter viajou a convite do Ministério das Relações Exteriores de Israel

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