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Mitch Altman: ‘As crianças nascem curiosas como hackers’

Palestrante da Campus Party, hacker pioneiro crê que escola faz jovem perder a capacidade de explorar o mundo

Por Bruno Capelas
Atualização:
Mitch Altman, durante apresentação na Campus Party 2018 Foto: Gabriel Maciel/Campus Party

Os cabelos brancos, com mechas pintadas de roxo, não deixam dúvidas: Mitch Altman é um senhor de 61 anos que leva uma vida um bocado diferente de seus contemporâneos. Um dos principais palestrantes da Campus Party, feira de tecnologia que se encerra amanhã, Altman é o que se pode chamar de um hacker pioneiro – a definição de hacker dele, porém, está longe daquela que descreve quem invade computadores ou celulares de outras pessoas.

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“Hacker é quem vê o mundo como um lugar cheio de recursos e os usa para melhorar a vida das pessoas”, disse, em entrevista ao Estado. Para ele, todo ser humano nasce hacker – o processo de educação formal, porém, nos faz desaprender a sermos naturalmente curiosos. 

Há mais de 15 anos, após criar um controle remoto capaz de desligar qualquer TV do mundo, o TV-B-Gone, Altman viaja o mundo dando lições de como é possível despertar essa curiosidade nata e incentivando a criação de hackerspaces – espaços onde pessoas se juntam para explorar novas ideias. “Basta ter entusiasmo, não é preciso ter ferramentas”, diz. A seguir, leia os principais trechos da entrevista:

O que é um hacker?  Os hackers veem o mundo como um lugar cheio de recursos e os usam para melhorar a vida das pessoas. Pode ser dinheiro, ferramentas, tecnologias. Qualquer coisa que foi pensada para ser usada de um jeito, mas que pode servir a outro propósito. Além disso, hackers compartilham seu trabalho com sua comunidade. 

Como ensinar as crianças a serem hackers?  Elas já sabem. As crianças nascem curiosas como os hackers. O problema é que, depois de 12 ou 16 anos de educação formal, nós desaprendemos a ser curiosos – e como adultos, temos de reaprender a explorar o mundo.

O que é necessário para ser um bom hacker, então?  É preciso ter entusiasmo e estar em um grupo que tenha uma visão comum. É o suficiente. Um grupo hacker pode nascer numa sala pequena ou num galpão. 

Não é preciso ter ferramentas, como máquinas de solda, impressoras 3D ou computadores?  Não falei sobre ferramentas justamente porque elas não são importantes. A comunidade e o entusiasmo são. Hoje, muitos hackerspaces possuem impressoras 3D, porque muita gente acha isso legal. Nem todos precisam delas.

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Sua invenção mais famosa é o TV-B-Gone, um chaveiro capaz de desligar qualquer TV. Como você o criou? Uma das razões pelas quais eu tive depressão foi a televisão. Quando era criança e adolescente, eu só queria escapar da realidade e a TV estava por toda parte. Passei muito tempo vendo TV e comendo porcaria, sem tempo para mais nada. Uma hora, desisti disso. Nos anos 1990, as TVs começaram a se popularizar em lugares públicos: isso me deixou maluco, porque eu tinha conseguido fugir delas. Com um pouco de conhecimento em eletrônica, consegui criar um controle remoto capaz de desligar qualquer TV no mundo. Passei um ano desenvolvendo o TV-B-Gone. Quando ele ficou pronto, passei uma tarde inteira desligando televisores em São Francisco. A revista Wired fez uma reportagem e fiquei famoso. O controle é responsável pelo meu sustento desde então.

Hoje, há quem diga que a internet tem um potencial tão destrutivo quanto a TV tinha no passado.  Entendo, mas acredito que a internet tem um potencial construtivo muito mais interessante do que o da TV, pois permite escolher coisas mais legais para fazer. Em ambos os casos, a pergunta é uma só: o que você quer fazer com o seu tempo? Ele simplesmente vai embora.

Você já veio ao Brasil várias vezes. Acha que o País tem uma mentalidade hacker?  Acho que o Brasil é um País muito criativo. Por outro lado, para empreender, é preciso ter oportunidades na vida, tempo e dinheiro para pensar numa ideia, além de suporte da sua comunidade. No Brasil, sei que a economia não vai bem e imagino que, proporcionalmente, existam muito menos pessoas com essas oportunidades do que em São Francisco. Gostaria que os governos se preocupassem mais com isso. Muita gente também tem deixado o Brasil para criar projetos fora do País. É ótimo para as pessoas, mas péssimo para a comunidade: se as pessoas que têm oportunidades vão embora, o que fica para a população? Mas sinto que isso pode mudar.

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