Novos usos para uma velha agulha

É bom começar a pensar em situações onde um corpo precisa de uma estrutura semi-biológica para ajudá-lo a executar algumas funções

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Por Fábio Gandour
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Olhando a história do passado recente, onde a arte parece imitar a vida, no começo dos anos 80 foi lançado um filme que previa, para 2019, a existência de clones humanos criados para trabalhar como escravos, em colônias extraterrestres. Estamos falando de Blade Runner e seus replicantes, um clássico em qualquer lista de ficção e prospecção científica. O ano de 2019 está a pouco mais de 750 dias e, olhando a história de um futuro possível, onde a vida pode imitar a arte, a existência de estruturas funcionais híbridas – que ainda tenho dificuldade de chamar de corpo – está cada vez mais próxima.

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Com o Blade Runner (1982), o Neuromancer (1984) e Matrix (1999), a arte foi alimentando a vida com possibilidades cada vez mais tangíveis, de existir um ser vivo com parte de suas funções vitais executadas por um circuito integrado ou coisa parecida. Algo que pode dar choque elétrico!

Tudo isso cabe em um movimento que não só se apoia na ciência e na tecnologia, mas que também tem um forte componente filosófico. Falo do Transhumanismo, que promove a existência de um novo homem, o homem pós-humano, melhorado pela incorporação de componentes tecnológicos no corpo humano atual. E aí aparecem novas terminologias a cada dia, que nem sempre traduzem o significado das palavras que formam o neologismo. Prepare-se para conviver com novidades como biohacking, biochip, biopunk, entre outros.

Biohacking por exemplo, tenta resumir em uma só palavra, toda a conceituação da ética hacker agora aplicada ao melhoramento do corpo humano. E não pense você que esta ética hacker é apenas um eufemismo para dissimular alguma atitude ilegal ou imoral. Ao contrário, o que se chama de ética hacker nasceu entre os anos 50 e 60, no MIT, e foi o fundamento sobre o qual se apoiou a onda de popularização e uso da tecnologia, da qual o computador pessoal e o telefone celular são os melhores exemplos.

Em uma escala diferente, já existe o biochip. Esse microcircuito eletrônico, que é ativado por ondas de rádio e encapsulado em um material inerte para não provocar reações, funciona dentro do seu corpo, embaixo da sua pele. E para que serve este biochip? Por enquanto, apenas para dizer que você é você ou, caso você desapareça, para que possa ser encontrado. A mesma utilidade pode ser dada a um biochip inserido sob a pele do seu cachorro.

Diante da inevitável pergunta “onde esta história termina?”, a melhor resposta é “ainda não dá para ter a menor ideia!”. Mas é bom começar a pensar em situações onde um corpo pode precisar de uma estrutura semibiológica para ajudá-lo a executar alguma função que necessite de mais força física ou mais capacidade intelectual.

Tanto uma como outra, poderão vir não de uma máquina, mas sim, de um pedaço de máquina, um conjunto de circuitos eletrônicos que estarão conectados a este corpo. Não será bem o replicante de 1984, mas um passo seguro em direção de um novo corpo, pós-humano: se espetar esse novo ser com uma agulha e sair sangue, é gente. Se der choque, é máquina.

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* Fábio Gandour é cientista-chefe do laboratório IBM no Brasil

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