Peça central do bitcoin entra no radar das startups

Criada para administrar transferências de moedas virtuais, blockchain virou objeto de estudo de bancos para melhorar eficiência e transparência; no Brasil, startups apostam que ferramenta será usada com sucesso para mediar contratos e patentes

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Por Bruno Capelas
Atualização:
Edilson Osório Jr., criou a Original My para autenticar documentos Foto: Werther Santana|Estadão

Transferências de dinheiro, autenticação de assinaturas ou até mesmo uma forma alternativa para garantir a propriedade sobre a criação de uma nova tecnologia ou ideia. Essas são algumas das possibilidades do blockchain, tecnologia que ganhou fama com a moeda digital bitcoin e ganhou a atenção de grandes bancos e startups.

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Criado em 2008 para administrar as transferências de bitcoin, o blockchain começou a alçar voo solo nos últimos tempos, afastando-se da desconfiança que ronda a moeda virtual. Em relatório publicado em agosto, o Fórum Econômico Mundial afirmou que o blockchain pode ajudar transações bancárias a serem mais eficientes, seguras e transparentes. 

O principal motivo está na forma como as transações são validadas: ao contrário de um DOC, aprovado por uma instituição centralizada como um banco, o blockchain é baseado em uma rede espalhada pela internet, com milhares (ou até mesmo milhões) de dispositivos. Eles trabalham em conjunto para checar se uma transação é válida, como pode ser visto abaixo: 

  Foto: Arte|Estadão

Por contar com muitos dispositivos, o risco de fraude é baixo, já que seria necessário hackear toda a rede de dispositivos para aprovar uma transação ilegal. Cada transação recebe uma marca indelével e entra em uma cadeia que guarda o histórico de transações. “Para modificar uma transação antiga, é preciso mudar todas as que vieram depois dela”, explica Gabriel Aleixo, pesquisador do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro (ITS-Rio). 

A lista de instituições financeiras que estão estudando o blockchain é longa: a operadora de cartões Visa, por exemplo, está desenvolvendo um sistema de pagamentos com o apoio da tecnologia; o banco Santander também divulgou, em setembro, um estudo sobre o impacto da tecnologia para as instituições financeiras. 

Cartório do futuro. O blockchain tem sido visto com bons olhos também por empresas fora do sistema financeiro: o método serve para conferir autenticidade de documentos e certidões e pode ser o início do “cartório do futuro”.  “Para reconhecer firma, assinamos um papel, o funcionário do cartório olha para o cartão e diz se é parecido. O blockchain faz isso de forma automática, usando a criptografia e a rede no lugar do olhômetro”, diz o empresário Edilson Osório Jr., que criou a OriginalMy no início de 2015. 

Em seu site, a startup tem uma ferramenta que permite enviar arquivos que precisam ser autenticados. “A maior parte dos usuários usa o serviço para validar contratos e criações originais, como conceitos de design para clientes”, diz Osório. “Mas já tive o caso de um cliente que quis registrar o nome da filha recém-nascida na sexta-feira à noite no blockchain, porque só poderia ir ao cartório na segunda-feira, mas não queria ficar desprotegido.”

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Para autenticar um arquivo – que pode ser um documento em PDF ou uma imagem em formato JPG –, Osório cobra R$ 2,50. O projeto ainda é incipiente: a empresa tem quatro funcionários, incluindo Osório, e ainda não recebeu investimentos. “Ainda há um longo caminho para as pessoas perceberem a utilidade do blockchain”, diz o empresário. 

Hoje, o projeto da OriginalMy ainda conta com algumas limitações – a principal delas é que, para contratos como transferências de carros ou propriedades, a Justiça exige que as certidões sejam celebradas em cartório. “Quando não é esse o caso, nossos documentos têm validade jurídica, baseando-se na regra de que um documento com verificação digital acordado pelas partes pode ser utilizado em processos”, explica Osório.

No campo. Com pouco menos de dois anos, a OriginalMy é uma “veterana” no mundo do blockchain no Brasil. A maior parte das startups brasileiras que lidam com a tecnologia ainda são novatas: é o caso da Bart Digital, criada em abril deste ano no Paraná. A empresa tenta melhorar a eficiência do “barter”, tipo de operação de crédito agrícola no qual um produtor consegue comprar insumos (como fertilizantes ou sementes) utilizando sua produção como moeda de troca. “Hoje, com toda a burocracia e papelada, fechar uma operação de barter leva 30 dias. Queremos reduzir esse prazo para 7 dias úteis”, diz Renato Girotto, sócio-fundador da empresa, que planeja adotar a tecnologia até março de 2017.

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Quem também deve começar a implementar a tecnologia em breve é a startup pernambucana MeuCrédito, que fornece crédito pela internet, em empréstimos de até R$ 10 mil e pagos em até 12 parcelas. “Um banco demora dias para aprovar um empréstimo e fazer as transferências. Com o blockchain, isso pode ser quase automático, depois da análise de crédito”, diz Edmilson Rodrigues, ex-funcionário do Google que criou a startup com outros dois sócios em 2015. A empresa já concedeu 50 empréstimos no País.

Apesar do entusiasmo, o blockchain não deve ser a solução para todos os problemas do futuro, na visão de Fernando Bresslau, professor da ESPM que estuda o tema. “Ele terá suas melhores aplicações quando estiver em um sistema com muitos agentes, que não se conhecem e que estejam dispostos a ser transparentes. Sem isso, não adianta”, diz ele, que, junto a Osório, da OriginalMy, lidera uma iniciativa chamada Blockchain Center, voltada a desmistificar a tecnologia no País. 

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