Saiba como a inteligência artificial pode ser usada a favor do direito

Apesar do receio dos advogados em serem ‘substituídos’ por algoritmos, pesquisas apontam que adoção de novas tecnologias deve ser lenta

PUBLICIDADE

Por Steve Lohr
Atualização:
Pesquisa.Programas de inteligência artificial já são utilizados para ler documentos e identificar processos semelhantes Foto: Jason Henry/NYT

A entrada da inteligência artificial na área jurídica avança de modo impressionante e os advogados começam a temer que a sua profissão seja a próxima vítima do Vale do Silício. No entanto, pesquisas recentes, e até mesmo a opinião das pessoas que trabalham no desenvolvimento de software para a atividade legal, indicam que a adoção da tecnologia pelos escritórios de advocacia será um processo lento e gradativo. Em outras palavras, um robô não deverá substituir seu advogado tão cedo.

PUBLICIDADE

“Existe essa visão popular de que, se você conseguir automatizar uma parte do trabalho, o restante da tarefa fica fácil”, disse Frank Levy, economista do Massachusetts Institute of Technology (MIT). “Não é verdade e, se ocorrer, será apenas em alguns casos.”

Uma técnica de inteligência artificial, chamada de processamento de linguagem, tem sido útil para verificar que documentos são importantes para uma ação, por exemplo. Mas outras atividades exercidas pelos advogados, como aconselhar um cliente, redigir uma petição, negociar e defender o cliente num tribunal, ainda continuarão longe do alcance da computação por um bom tempo.

“Em que ponto estará a tecnologia dentro de três ou cinco anos é uma questão interessante”, disse Ben Allgrove, sócio do escritório Maker McKenzie, com cerca de 4,6 mil empregados. “Honestamente, nós ainda não temos como saber o que irá acontecer.”

Impacto. Dana Remus, professor da faculdade de Direito na Universidade da Carolina do Norte, e Frank Levy, do MIT, estudaram a ameaça da automação para o trabalho do advogado nos escritórios em geral. E concluíram que, se toda essa nova tecnologia legal fosse implantada imediatamente, o resultado seria uma queda estimada de 13% nas horas de trabalho dos advogados.

No entanto, segundo o estudo, uma avaliação mais realista seria de uma redução das horas trabalhadas de 2,5% ao ano durante cinco anos. Afinal, a análise básica de documentos, que tomava muito tempo de advogados, já vem sendo automatizada em grandes firmas de advocacia. Atualmente, apenas 4% do tempo dos advogados é gasto nessa tarefa durante o dia a dia.

A conclusão levou a uma pesquisa mais ampla sobre empregos e tecnologia. Em janeiro, a consultoria McKinsey divulgou um novo estudo dizendo que, embora quase metade de todas as tarefas possam ser automatizadas com a tecnologia atual, somente 5% dos empregos seriam inteiramente automatizados. Com base nesta definição, a McKinsey estima que 23% do trabalho de um advogado poderá ser automatizado.

Publicidade

A tecnologia vai influenciar elementos do trabalho jurídico dentro de uma ou duas décadas, mas não dentro de um ano ou dois, segundo especialistas. Advogados muito bem pagos usarão seu tempo trabalhando em questões legais no mais alto nível. Os demais serviços legais serão desempenhados usando a tecnologia ou, ainda, por pessoas que não estudaram direito.

Os clientes corporativos com frequência não estão dispostas a pagar honorários para os escritórios onde advogados principiantes realizam as tarefas de rotina – trabalho que já vem sendo automatizado e terceirizado pelos próprios escritórios.

Portanto, o sócio de um escritório de advocacia, no futuro, será líder de uma equipe “e mais de um dos empregados será uma máquina”, disse Michael Mills, advogado e diretor de estratégias da Neota Logic, startup de tecnologia na área legal.

Startups. Seguindo o caminho da inteligência artificial no setor jurídico, startups já começam a desenvolver produtos específicos para escritórios de advocacia. Segundo a empresa de pesquisa CB Insights, mais de 280 startups já levantaram US$ 757 milhões desde 2012 em um claro sinal de crescimento e expansão nesse setor. Em muitas delas, o avanço é encorajador, mas comedido. Afinal, elas concentram-se em uma área legal específica, como falência ou patentes, ou numa determinada tarefa, como análise se contratos. 

CONTiNUA APÓS PUBLICIDADE

Em Miami, Luis Salazar, sócio de um escritório com cinco advogados, começou a usar o software da startup Ross Intelligence em novembro. Com ele, Salazar consegue pesquisar processos semelhantes ao que tem em mãos, além de rever casos e oferecer uma lista das ações mais relevantes. Tudo isso por meio da inteligência artificial baseada no software Watson, da IBM.

De início um pouco cético, Salazar testou o programa e se impressionou: ele precisou apenas digitar um assunto qualquer na máquina, gastando apenas alguns parágrafos de texto e minutos de seu tempo. No dia seguinte, logo de manhã, a máquina da startup Ross devolveu um memorando completo de duas páginas, bem embasado e com linguagem jurídica afinada com os melhores memorando de seu escritório.

“O sistema de memorando da inteligência artificial me deixou totalmente impressionado”, disse Salazar, logo após testar o serviço. “É assustador para mim. Se o programa ficar ainda melhor, acho que muita gente pode perder o seu emprego em breve

Publicidade

Expansão. O ritmo de avanço da tecnologia é imprevisível. Há anos economistas especializados na área afirmam que o trabalho rotineiro, como o de uma fábrica, pode ser reduzido a um conjunto de regras possíveis de serem computadorizadas. Eles acreditam que profissões como a advocacia estão mais seguras, porque o trabalho do advogado tem como estofo a linguagem.

Mas avanços no campo da inteligência artificial já derrubaram essa ideia. Afinal, a tecnologia já permite a realização de tarefas rotineiras, como um exame cuidadoso de documentos à procura de passagens importantes. Assim, os grandes escritórios de advocacia, sentindo o risco a longo prazo, estão adotando iniciativas para compreender a tecnologia emergente, adaptá-la e utilizá-la.

No mês passado, por exemplo, o escritório Baker McKenzie criou um comitê de inovação para monitorar a tecnologia emergente. A inteligência artificial tem despertado um grande interesse, mas os escritórios hoje estão usando-a principalmente em tarefas como busca eletrônica e revisão de contratos.

O escritório Dentons criou uma plataforma de inovação, a Nextlaw Labs, em 2015. Além de monitorar a tecnologia mais recente, essa unidade investiu em sete startups de tecnologia jurídica. Para John Fernandez, diretor de inovação do escritório, este é o meio de não se perder em meio a tecnologia. “Nosso setor está sendo afetado e temos de fazer alguma coisa por nossa conta e não sermos apenas vítimas da situação”, disse. /TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.