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Sistema cria ?identidade digital? para acesso a serviços públicos na internet

Projeto gaúcho promete maior controle do cidadão sobre utilização de seus dados por órgãos públicos e já serviu para autenticar eleitores em consultas públicas

Por Murilo Roncolato
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Na última semana, mais de 121 mil gaúchos votaram sobre quais temas deveriam receber maior atenção no orçamento estadual do ano que vem sem sair de casa, pela internet. Desses cidadãos online, uma fração se destaca: para garantir que eram quem diziam ser, pouco mais de mil votantes usaram um sistema chamado Login Cidadão, o primeiro no Brasil a atuar como uma “identidade digital” e que deve servir, a partir de agora, de base para um sistema ainda em discussão, que pode vir a cobrir todo o País.

A plataforma surgiu no ano passado com a intenção de resolver um problema: permitir que o cidadão pudesse ter controle de qual órgão tem suas informações na hora de se identificar digitalmente para usar serviços públicos na rede. A solução foi desenvolvida pelo órgão de TI do Estado, a Procergs, contando com a consultoria do Banco Mundial e do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio (ITS-Rio), e ainda uma viagem de pesquisa para a Estônia, país tido como exemplo máximo do que se chama de “governança digital” (leia sobre clicando AQUI).

Discretamente, o recurso conseguiu a adesão de ao menos cinco importantes serviços locais: o Mapa da Cultura (que exibe as atividades culturais baseado em sua localização), Ouvidoria, Consulta Popular (responsável pelo citada eleição de prioridades do orçamento anual do Estado), a Pró-Cultura (que divulga editais para projetos na área) e a Nota Fiscal Gaúcha. A perspectiva, no entanto, é de aumentar esse número.

“Temos demandas imediatas para usar o sistema para identificar servidor público, algumas secretarias no governo e de outros órgãos como o Instituto-Geral de Perícias, que poderia usar o sistema para identificar vítimas a partir das suas informações biométricas, por exemplo”, diz Antônio Ramos Gomes, presidente da Procergs.

A solução, útil para autenticar pessoas na internet – o processo é idêntico ao que passa um usuário quando entra em sua conta no Google, Facebook ou Twitter para validar um acesso a outros aplicativos ou serviços –, chamou atenção por ir além da mera validação de um usuário. Sua ideia é se tornar um sistema de identidade digital, formada por documentos e informações fornecidas pelo próprio cidadão – como título de eleitor, CPF, RG etc – que serão utilizados somente após sua explícita autorização.

“Nós usamos o conceito de que é o cidadão que forma a rede do Estado, ele diz o que quer tornar disponível da sua identidade. Ele fornece os documentos que quiser e isso permite que ele tenha acesso a serviços”, explica Gomes. Para entender a ideia de uma identidade na internet, uma relação poderia ser feita com o mundo fora dela. Quem explica é o pesquisador especializado em gestão de identidade, Cláudio Machado.

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Para andar na rua, ninguém precisa portar seu CPF ou um documento que te identifique, diz ele. “Mas para usar um serviço público ou ir no banco, sim. Na internet é a mesma coisa: para navegar, é possível ser anônimo, mas para usar um serviço público, é preciso se identificar.”

“Agora, se o governo quer oferecer serviço eletrônico para que as pessoas possam fazer matrículas, pedir a emissão de documentos, checar dados na Receita etc, tudo de forma remota, seria possível fazer isso sem a identificação da pessoa? Claro que não”, diz.

Para Cláudio Machado, o surgimento do Login Cidadão acelera o debate sobre a “identidade digital cidadã”, conceito fundamental para o futuro da relação entre governo e cidadão no meio digital, que evolui de apenas uma página online com informações dispersas para a criação de plataformas nas quais o cidadão se identifica, resolve problemas (como emitir a segunda via de um documento) remotamente, fiscaliza e até vota pela eleição de representantes.

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O tal debate já acontece no Planalto Central, onde órgãos oficiais trabalham no desenvolvimento de um sistema que torne a identidade digital possível. Marcos Martins Melo, coordenador Estratégico de Ações Governamentais do Serpro, o órgão de TI do executivo federal, diz que está tudo “caminhando” e atualmente buscam aprender com soluções já existentes, como a gaúcha.

“Não adotaremos o Login Cidadão exatamente, mas nos aliamos para montar, sem ter que reinventar a roda, um modelo que órgãos de todo o País possam usar”, explica. “A gente está falando de uma coisa que vai interferir na vida de 200 milhões de cidadãos. Não pode ser uma coisa com pouca discussão.”

Melo explica que se trata de uma preocupação antiga, mas que só agora surgiram mecanismos que tornaram a criação de uma solução possível. Buscando inspiração em modelos de outros países, o técnico diz que a principal preocupação é criar uma solução tecnológica que passe confiança.

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“É uma solução que vai garantir prestação de serviço para o cidadão. Não podemos criar uma identidade semelhante à do Facebook. Quando falamos de serviços públicos é importante que a geração de identidade seja algo forte”, diz.

Ele lembra do caso do sistema da Estônia, que permite à população um maior gerenciamento de seus dados e eficiência no acesso a serviços. “Quando você pensa em identidade, é necessário considerar que o cidadão deve estar no controle de tudo. Não podemos simplesmente integrar bases de dados diferentes e dizer: ‘A partir de hoje, todas as informações desse cidadão estão acessíveis deste único lugar’. Ele é quem deve agregar as informações que quiser, se quiser e para quem ele quiser.”

Apesar do trabalho em andamento, o técnico da Serpro diz que atualmente não é possível especular sobre uma data de conclusão do projeto.

RISCOS

Para o pesquisador e professor da faculdade de Direito da UERJ, Danilo Doneda, um sistema como esse poderá trazer “uma vantagem ilustrativa”, voltada principalmente para a economia de recursos. Mas seu sucesso, depende do modo que for implementado, diz.

“O Login Cidadão, por exemplo, hoje é só para governo eletrônico, mas uma solução dessas pode servir para dar transparência para os dados do cidadão, garantindo que ele saiba o que cada órgão está fazendo com seus dados”, diz. Mas também há riscos. Para ele, qualquer sistema de identificação pode concentrar mais informações sobre uma pessoa em um único local do que deveria e, assim, poderia facilitar a “coleta de dados indiscriminada”. “São problemas clássicos, inclusive a identificação civil. A partir do momento que se evolui, aumentam-se os riscos de que essa solução seja mal utilizada.”

Ele lembra que outros países chegaram a lutar contra sistemas de identificação semelhantes por receio em relação à sua privacidade. “Por outro lado, esses dados já existem, os órgãos públicos já os possuem. Se for permitido um maior controle pelo cidadão, apesar de acarretar em um acesso maior aos dados pessoais, melhora-se o uso que se faz deles, melhora a vida do governo, moderniza sua prestação de serviço, além de colocar o cidadão como gestor das suas informações.”

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