PUBLICIDADE

Foto do(a) blog

Impressão Digital

A nova cultura brasileira é produzida na internet

O novo Tom Jobim não vai sair do trio elétrico

Por Alexandre Matias
Atualização:

Eu havia acabado de reabastecer meu copo de caju amigo quando me conectei à internet. Era segunda de carnaval e estava longe da rede, num canto do litoral paulista em que o celular só pega na praia. Estava pronto para fotografar uma rara manhã de sol deste verão quando a notícia chegou, nem lembro se por Twitter, Facebook, e-mail ou Instagram.

PUBLICIDADE

Em poucos minutos, todos estes ambientes falavam do mesmo assunto: o papa tinha renunciado. Comentei com a minha mulher e sua primeira pergunta foi a mesma que tive: "E pode?". Li algumas manchetes para ela, conversamos preguiçosamente sobre o tema e voltamos a lagartear sob o sol.

Só quando voltei do feriado me deparei com a avalanche de piadas, paródias, remixes, mashups, montagens, memes e todo tipo de gracinha que a internet nos premia diariamente. Segundo o site Know Your Meme, melhor catálogo dessas manifestações, a primeira piada visual sobre a renúncia do papa foi uma foto de Bento XVI acompanhada da legenda: "Escolhido por Deus. Desiste".

Mas em pouco tempo as piadas saíam do âmbito religioso, político e sexual (afinal é inevitável associar a notícia aos casos pedofilia envolvendo integrantes da igreja), até chegar ao puro nonsense típico deste humor da internet.

Entre as brincadeiras, estavam os inevitáveis mashups de outros memes. O cartaz de Keep Calm & Carry On virou Keep Calm & Resign. O "Hope" - esperança, em inglês - com a cara de Barack Obama foi substituído por "Pope" - papa - ou "Flop" - fracasso, - com a cara de Joseph Ratzinger.

Publicidade

Outra piada aproveitava a semelhança física do papa com o Imperador da trilogia original de Guerra nas Estrelas para rir de uma "coincidência" entre a renúncia e o anúncio sobre os três novos filmes da grife de George Lucas. Já o usuário do Twitter Six Form Poet escreveu: "o papa dificilmente é a primeira pessoa a perder o interesse em seu trabalho depois que entrou no Twitter".

Como milhões todos os dias, me inteiro das novidades da sucessão papal entre posts no Facebook, imagens que amigos me mandam por e-mail ou links no YouTube, ao mesmo tempo em que rio das piadas. São uma válvula de escape para a enxurrada de notícias a que somos submetidos diariamente e que logo deixam de ser novidade.

No começo essas apropriações humorísticas eram tímidas e aconteciam aos poucos. Mas, à medida se multiplicam, começam a se cruzar, a se autorreferir, a brincar umas com as outras. Quase todo mundo que está online percebeu que piadas e brincadeiras com notícias e modinhas foram se sobrepondo depois que Facebook e Twitter se firmaram como as principais forças sociais na internet.

A novidade é que isso não é simplesmente um monte de piadinha trocada por alguns conhecidos que, graças à internet, ganharam projeção global. É a produção cultural atual. Na semana passada, uma série de artigos, matérias e entrevistas questionou uma dita parca produção cultural brasileira, que no século 21 estaria rodando em parafuso. Os exemplos citados quase sempre esbarravam na música - artistas como Michel Teló e Gusttavo Lima.

Nem quero entrar no mérito da qualidade ou do bom gosto (réguas beeeem subjetivas), mas é sério que estão esperando encontrar o novo Tom Jobim em um trio elétrico? Ou que o novo Glauber Rocha saia de um best-seller bancado pela Petrobrás?

Publicidade

As cabeças que questionam a ausência do novo sofrem da síndrome de nostalgia ilustrada por Woody Allen na sua fábula Meia-Noite em Paris. Elas se irritam quando ligam o rádio, mas não buscam artistas novos e muitas vezes não sabem nem baixar MP3. E caçam novidades em livros, discos, filmes e peças de teatro quando é provável que elas não venham empacotadas nestes formatos.

O exemplo das piadas produzidas após a renúncia do papa é apenas um. Toda semana tem outros tantos. E o Brasil é uma potência nesse sentido. Só não vê quem não quer.

Alexandre Matias é Diretor de Redação da Revista Galileu.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.