
Código Aberto
O lado livre da internet
25 anos são só o começo
O Linux completa 25 anos - o que nos aguarda nos próximos 25?
01/09/2016 | 11h38
Por Nelson Lago
“Olá […] Estou fazendo um sistema operacional (livre) (só um hobby, não será grande e profissional como o gnu) […] e gostaria de saber quais recursos a maioria das pessoas gostaria. Todas as sugestões são bem-vindas, mas eu não prometo implementá-las :-)”.
Essa mensagem, enviada por um jovem estudante universitário, completou nesta semana 25 anos de idade e marca o início do projeto que passou a se chamar “Linux”. Aproveitando a efeméride, vale a pena pensar no percurso do software livre ao longo desses anos e no futuro que nos aguarda.
Talvez a primeira coisa interessante a observar seja o tamanho do engano do então jovem Linus Torvalds ao afirmar que era “só um hobby”. O Linux hoje é o sistema operacional de 497 dos 500 maiores supercomputadores do mundo e é utilizado pelos astronautas da estação espacial internacional; ele também está por trás da grande maioria dos servidores web (de facebook e netflix ao sítio da padaria da sua rua) e dos celulares e tablets baseados em android. E, para todos os efeitos práticos, o Linux é hoje o núcleo do gnu (o sistema operacional livre da Free Software Foundation), algo que Torvalds nunca imaginaria aos 21 anos de idade.
Muitos fatores contribuíram para esse sucesso. Um deles é o talento de Torvalds: além de excelente programador, ele demonstrou ser extremamente capaz na gestão de um projeto envolvendo milhares de colaboradores que originalmente trabalhavam no sistema geralmente por curiosidade mas que hoje em dia são em sua grande maioria pagos especificamente para trabalhar com ele. Outro foi a explosão da Internet três anos após o início do projeto, gerando demanda por um sistema estável como o Unix mas de baixo custo para as empresas nascentes nesse novo mercado. Dois fatores que provavelmente são centrais, no entanto, foram o papel da Free Software Foundation e o contexto jurídico da época.
A FSF foi responsável por viabilizar o interesse de tantas pessoas no desenvolvimento de um sistema operacional livre. O Linux é o núcleo do sistema: ele é responsável por administrar a memória, os programas em execução no computador e o acesso aos dispositivos de hardware. Assim, embora fundamental, ele não tem utilidade sem um conjunto de programas e bibliotecas que efetivamente o utilizem para realizar algum trabalho. A única razão pela qual alguém pensaria em criar um núcleo desse tipo seria se houvesse programas para rodar nesse novo sistema. E, de fato, Torvalds tinha esses programas à disposição: todo o ecossistema de programas típicos em sistemas Unix estava disponível graças, justamente, ao projeto gnu da FSF. De fato, em sua mensagem inaugural, Torvalds afirmava que já conseguira fazer bash e gcc [duas ferramentas do projeto gnu] funcionarem. Torvalds sem dúvida sempre deu e dá grande crédito à importância da FSF, mas na prática sua visão sobre o software livre não se alinha com a da fundação e, tal qual acontece com alguns irmãos, a relação entre os dois é um tanto conflituosa.
Já o contexto jurídico foi importante porque não houve restrições ou preocupações jurídicas sobre possíveis violações de patentes no Linux. Isso porque desde os anos 60 há controvérsias a respeito do papel das patentes de software nos EUA; no entanto, elas não se tornaram comuns antes do final dos anos 90. O Linux é um clone do Unix, ou seja, embora o código tenha sido escrito do zero, ele procura imitar o comportamento do Unix. Esse comportamento (incluindo sua API, que é a “língua” que os programas usam para conversar com o núcleo) não era patenteado, o que possibilitou a criação do Linux. Mas o que se vê hoje em dia é muito diferente, e várias APIs de diversos sistemas, muitos deles padrões da indústria, são protegidos por patentes. Por isso, algo como o Linux jamais poderia ser criado hoje.
Assim, de um lado, o surgimento do Linux deve-se em grande parte à própria existência de um ecossistema livre, fenômeno que continua até hoje: o software livre vem crescendo continuamente desde então, graças ao fato de haver cada vez mais ferramentas, aplicações e usuários interessados, num círculo virtuoso. De outro, deve-se ao ambiente que favorecia o desenvolvimento de novos sistemas e tecnologias sem o risco de processos. Esse aspecto é hoje a maior ameaça ao software livre (talvez em conjunto com sistemas de “gestão de direitos digitais” – DRM). É preciso que a sociedade decida se quer proteger o desenvolvimento tecnológico do software no contexto da liberdade ou no contexto das patentes – e não esquecer o impacto que isso terá nos próximos 25 anos.
* Nelson Lago é gerente técnico do CCSL-IME/USP