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O lado livre da internet

De quem são essas coisas?

Quando o limite entre hardware e software se perde, o que acontece com o usuário?

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Por CCSL
Atualização:
 Foto: Estadão

Por Nelson Lago*

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Talvez você já tenha ouvido falar em "Internet das Coisas". A ideia é que, cada vez mais, aparelhos e objetos de uso cotidiano (como carros, lâmpadas ou aparelhos de ar condicionado) serão capazes de se comunicarem via rede, trazendo diversas comodidades para o dia-a-dia. É possível imaginar várias situações simples de uso dessa tecnologia: por exemplo, você resolve passar pelo supermercado no caminho para casa; ao detectar sua localização, seu celular consulta sua geladeira para verificar se há algum produto acabando que precisa ser comprado e você é notificado. Ou então, um sensor no telhado da casa detecta chuva e comanda o fechamento automático das janelas.

Não é difícil de perceber que a capacidade de processamento embutida em cada um desses equipamentos em geral é reduzida; operações complexas ou que agreguem vários aparelhos de uma vez vão naturalmente ser coordenadas por algum sistema computacional de maior porte acessível via rede. E, se você pensou na palavra "nuvem", acertou em cheio: em maior ou menor grau, praticamente todos os produtos desse tipo dependem de serviços online, geralmente mantidos pelos seus fabricantes. Nada muito diferente do que já acontece com smartphones.

Uma outra característica desses sistemas é que, além dos recursos da nuvem, sua utilidade vem também do software embutido neles. E, na medida em que é possível modificar o software, os fabricantes podem enviar atualizações automaticamente para esses dispositivos com novas funcionalidades - também de maneira similar ao que existe com smartphones.

No entanto, esse mundo idílico traz consigo alguns problemas. Fabricantes podem, por exemplo, abandonar o produto, que deixa de funcionar sem o suporte da nuvem, como no caso do Revolv Smart Hub, embora a empresa dona do produto ainda esteja ativa. Os recursos disponíveis quando da compra do equipamento podem ser eliminados em função dos interesses comerciais das empresas, como quando a Sony eliminou a possibilidade de executar sistemas operacionais alternativos no PS3, recurso que era oficialmente oferecido e que levou, por exemplo, o governo americano a comprar mais de 2.000 desses dispositivos para utilizá-los para cálculos. O acesso a produtos ou serviços já pagos pode ser suspenso ou restrito, como nos vários casos envolvendo o Kindle ou no dos veículos que deixam de funcionar em caso de atraso nos pagamentos. Tipos de uso do produto também podem ser limitados, como no caso dos drones que não poderão mais voar em Washington. Finalmente, acessórios e serviços podem ser exclusividade do fabricante e seus licenciados, como acontece com vários automóveis hoje cujos sistemas eletrônicos só podem ser acessados por ferramentas restritas.

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O problema é que esses equipamentos, embora sejam vendidos como objetos, derivam quase toda sua utilidade do software e dos serviços a eles associados. Com isso, definir os limites que separam o hardware do software (e, portanto, a "posse" do "licenciamento") fica cada vez mais complicado. De um lado, isso coloca o consumidor numa situação de severa dependência em relação ao fornecedor; de outro, abre espaço para inúmeros abusos, como quando a Sony incluiu deliberadamente um programa similar a um vírus em seus CDs.

Essas são as questões que levaram à criação do Mycroft, um dispositivo doméstico inteligente baseado em software e hardware livres. O Mycroft ainda é dependente dos servidores da empresa e de serviços de terceiros na nuvem; a diferença é que, dado que é um sistema livre, os usuários podem adaptá-lo para usar outros fornecedores ou mesmo acrescentar funcionalidades que não dependam de serviços externos. Existem outros produtos similares no mercado americano; o diferencial do Mycroft é apenas a sua arquitetura aberta, e os desenvolvedores criaram projetos de financiamento coletivo para identificar se há interesse em um projeto desse tipo. Será?

* Nelson Lago é gerente técnico do CCSL-IME/USP

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