
Código Aberto
O lado livre da internet
Em busca da verdade
Vamos acabar com as notícias falsas na Internet?
15/12/2016 | 13h39
Por Nelson Lago
Uma das mudanças importantes que a Internet trouxe depois de sua massificação foi a transformação na nossa relação com aquilo que costumamos chamar de “notícias”. Antigamente, o cidadão era assinante de um jornal ou telespectador de um canal de televisão, veículos responsáveis pelo trabalho editorial de selecionar temas de interesse, verificar informações e contrastar opiniões com vistas a apresentar os assuntos relevantes de maneira razoavelmente abrangente. Esse trabalho permitia (ou deveria permitir) ao leitor/espectador compreender os diversos aspectos de cada questão e formar uma opinião. Era papel do cidadão escolher os veículos que considerava melhores, tanto na escolha das matérias a abordar (política, aspectos profissionais, entretenimento etc.) quanto na abordagem dessas matérias.
É claro que esses veículos ainda existem e continuam cumprindo esse papel. No entanto, a Internet trouxe um novo agente à baila: “todos”. De um lado, a Internet permite a qualquer um criar um blog ou página pessoal com qualquer conteúdo que se torna imediatamente acessível a qualquer um — ou seja, com muito mais abrangência que um pequeno folheto, única possibilidade até poucos anos atrás. De outro, dado o enorme volume de dados disponíveis, sistemas como o Facebook ou o Twitter tornam cada usuário um editor que seleciona e recomenda materiais para seus “amigos”, com grande impacto sobre eles.
Essa nova realidade trouxe uma consequência inesperada: se antigamente havia “lendas urbanas” e outras histórias de veracidade duvidosa, sua relevância era relativamente pequena. Atualmente, no entanto, notícias falsas são criadas e se espalham com velocidade e impacto muito maiores. O tema ganhou destaque nos EUA porque muitos consideram que notícias falsas influenciaram as eleições americanas, culminando na eleição de Donald Trump, o que levou a google e o facebook a investigarem meios de resolver o problema. A dificuldade, claro, está em separar o joio do trigo: o que constitui uma notícia falsa, uma notícia verdadeira mas com exageros ou uma opinião polêmica?
Há muito a ser dito sobre esse assunto, mas gostaria de abordar aqui apenas um aspecto. O pensamento por trás desse debate pressupõe que empresas como Facebook, Google e Twitter agem como editores e devem se comportar como tal, reproduzindo no contexto online uma mecânica similar à tradicionalmente usada em outros veículos de comunicação em massa. Para além das dificuldades técnicas, no entanto, isso há de reproduzir nesses meios as mesmas distorções que existem na mídia tradicional: publicações alternativas, que podem trazer visões incomuns ou temas raramente abordados, terão espaço reduzido; pontos de vista discordantes da maioria serão relegados ao segundo plano.
Tomando um exemplo recente, há uma parcela significativa da população brasileira que chama de “golpe” o impeachment da presidenta Dilma Rousseff. Dado que o processo seguiu os trâmites legais, no entanto, os principais veículos de comunicação não usam essa palavra para se referir ao caso. Tratando-se ou não de um golpe, a filtragem de conteúdos que defendem esse ponto de vista como “notícia falsa” (ou de pouca confiabilidade) seria extremamente preocupante.
O fato é que a mídia tradicional nunca cumpriu seu papel a contento: o conteúdo de qualquer publicação é inescapavelmente enviesado, tanto na escolha dos temas quanto na sua apresentação. A verificação factual por fontes “confiáveis” continua sendo parte fundamental do trabalho dos jornalistas, mas talvez seja hora de entendermos que o trabalho de editoria não pode ser terceirizado: cabe a cada um de nós buscar a veracidade das informações.
* Nelson Lago é gerente técnico do CCSL-IME/USP
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