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O lado livre da internet

O futuro do trabalho

O modelo colaborativo é a chave para o trabalho humano num futuro automatizado?

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Por Nelson Lago
Atualização:
FOTO: Cecilia Coelho  

Há pelo menos 200 anos o trabalho tem se transformado continuamente por conta da automatização e mecanização. Essas mudanças, por sua vez, costumam vir acompanhadas da preocupação com o bem-estar dos trabalhadores no presente e no futuro: será que a automatização vai gerar desemprego em massa?

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Se olharmos para o passado, a conclusão geral é que não: desde a revolução industrial, as sucessivas transformações na produção têm sido capazes de gerar empregos de maneira mais ou menos alinhada com o aumento populacional e, ao mesmo tempo, as condições básicas de vida, como acesso a saneamento básico e expectativa de vida, têm crescido. De outro lado, no entanto, esse não foi um processo indolor: muitos profissionais especializados se tornaram obsoletos e desequilíbrios localizados geraram ondas de desemprego e instabilidade ao longo do processo. Ainda assim, esse assunto até pouco tempo atrás era considerado fora da moda, já que em termos macroeconômicos o problema nunca se materializou.

Os recentes avanços na robótica e na inteligência artificial, no entanto, têm trazido novo ânimo a essas preocupações, e não há mais um consenso tão claro sobre a questão. Em nome da redução de custos e do aumento na produtividade, a maioria das atividades laborais tem sido cada vez mais analisada e padronizada, com a definição de processos rígidos abrangendo do chão de fábrica à contabilidade, da venda do ingresso à orquestração da trilha sonora de um filme, da correção ortográfica à pesquisa em bases de dados sobre legislação em uma petição legal. Essa definição de processos em conjunto com o avanço tecnológico previsto para as próximas décadas são o combustível para um ímpeto rumo à automação que deverá abarcar praticamente todas as categorias profissionais. Ironicamente, são os melhores trabalhadores, aqueles que conseguem definir com mais precisão os processos mais eficazes para realizarem suas tarefas, que serão mais facilmente substituídos por algum tipo de agente automatizado. Se, então, o trabalho bem organizado deverá ser automatizado, o que deve acontecer com o trabalho realizado por humanos?

Teve início ontem em San Francisco o Red Hat Summit, evento promovido pela Red Hat para agregar clientes, parceiros, a comunidade de software livre e a própria Red Hat. Com cerca de seis mil participantes, o evento é realmente imponente, como são imponentes também as parcerias da Red Hat em diversos projetos: Dell, Intel, SAP e outras empresas de porte participam ativamente, apresentando seus projetos envolvendo software livre em conjunto com a Red Hat.

A abertura do evento ficou a cargo de Jim Whitehurst, diretor-executivo da Red Hat, que falou justamente sobre o potencial transformador da tecnologia na sociedade. Para Jim, o paradigma do trabalho hoje descende diretamente da revolução industrial, que deu origem ao taylorismo e às técnicas de gestão baseadas em estruturas hierárquicas com divisão clara de funções. E, segundo ele, assim como fomos capazes de inventar essas soluções para a questão do trabalho quando da mecanização promovida pela segunda revolução industrial (no início do século XX), precisamos fazer o mesmo agora, na aurora dessa "quarta revolução industrial" em que a automatização deverá ser estendida a praticamente todas as áreas, quando o trabalho destinado aos humanos será, cada vez mais, o trabalho criativo.

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A chave para esse processo, no seu ponto de vista, está na colaboração. Entre os exemplos da importância da colaboração, Jim citou o trabalho de Faraday, que sempre discutiu amplamente suas ideias, o que acabou por dar origem às equações de Maxwell que, por sua vez, foram a chave para avanços como o motor elétrico e o rádio. Para ele, a solução de problemas não pode mais ficar a cargo de um punhado de gestores: cada vez mais, indivíduos ou mesmo empresas isoladas não vão ter condições de lidar com as grandes questões que queremos resolver. Por isso, a comunidade de empresas focadas hoje no software livre e trabalhando em conjunto, mesmo sendo concorrentes, fornece uma amostra do que está por vir.

Talvez essa seja uma visão um tanto idílica de um futuro turbulento; me parece muito claro que os desafios que temos à frente como sociedade não serão fáceis. Não sei se o software livre e a colaboração, por si sós, são a chave para uma sociedade melhor, mas certamente podem ser parte importante no processo. A questão é saber se vamos escolher esse caminho.

* Nelson Lago é gerente técnico do CCSL-IME/USP

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