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O lado livre da internet

O sucesso do Marco Civil e a força da pressão popular

Por Claudia Melo e Luca Bastos*

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Por CCSL
Atualização:

Durante as discussões sobre o Marco Civil da Internet, o tema mais discutido foi a neutralidade da rede. Alguns entendem neutralidade da rede apenas como impedir que empresas provedoras cobrem preços diferenciados de acordo com o tipo de página acessada por quem navega na internet. Outros querem evitar que os provedores tornem mais lentas as redes peer-to-peer ou cortem o acesso a chamadas por voz. No entanto, a quebra da neutralidade tem impactos mais profundos na economia e inovação. Por isso, entender o problema e possíveis soluções é vital para todos os cidadãos digitais.

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Nos Estados Unidos, por exemplo, a neutralidade foi recentemente derrubada por uma tecnicalidade jurídica. Como consequência, os provedores estão criando limites na largura de banda ou na quantidade de dados transmitidos em um determinado período de tempo, e pretendem cobrar mais dos que querem ficar sem tais limites. A ESPN está negociando com a Verizon Wireless para ficar isenta das limitações na transmissão de dados. A AT&T anunciou planos pagos para permitir que provedores de conteúdo fiquem sem limites. A Comcast, o maior provedor de internet dos States, recebeu uma soma não divulgada da Netflix para garantir a transmissão rápida do popular serviço de vídeo. Recentemente o CEO da Netflix mostrou-se arrependido por ter pago. Enquanto isso, todos os outros concorrentes desses serviços são rebaixados em qualidade.

Se continuar assim, só quem puder pagar terá um serviço de qualidade, o que permitiria aos grandes ficarem cada vez maiores. No Brasil, a Claro já dá isenção aos seus assinantes no acesso ao Facebook e ao Twitter. Parece bom, mas é uma barreira para novas redes sociais. Remover ou diluir as disposições de neutralidade em um mercado já fortemente monopolizado é uma ameaça à qual somente sobreviverão os mais ricos provedores de serviços, conteúdo e mídia. Um sistema nesses moldes consolidaria os já privilegiados e retardaria a inovação. Se antes fosse assim, muitas empresas de nome familiar, como Google, YouTube ou Facebook, não teriam surgido.

A Internet vem mudando, como o mundo também mudou nestes 25 anos desde a criação da rede, e o próprio Sir Tim Berners-Lee diz que ela precisa de uma carta magna. Os exemplos acima demonstram que é ingenuidade crer que ela sempre foi livre e que vai continuar assim; sem regulamentação, prevalecerá a lei da selva, sem garantias de que a rede continuará livre e neutra. Isso pode favorecer as empresas brasileiras que pretendem seguir os maus exemplos lá de fora.

E o que estamos fazendo no Brasil? Num exemplo bem recebido em nível mundial, criamos o Marco Civil. Poucos projetos foram tão debatidos e por tanta gente. Levou mais de quatro anos sendo discutido por juristas, tecnologistas, representantes da sociedade civil e empresários. O consenso foi de que a neutralidade da rede é importante e deve ser preservada, a despeito da forte pressão das empresas de telecomunicações na direção contrária.

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O Marco Civil acabou de ser aprovado por unanimidade no Senado sem sofrer mudanças de mérito. Apesar das ameaças de algumas emendas apresentadas e rejeitadas nas comissões CCJ (Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania) e a CCT (Comissão de Ciência, Tecnologia, Inovação, Comunicação e Informática), a neutralidade foi mantida. Foram feitas apenas duas emendas de redação, e o texto agora vai para sanção presidencial. Trata-se de um sucesso enorme para a sociedade civil e de uma clara demonstração da importância da participação popular no processo de governança da Internet: tanto a elaboração do texto quanto a manutenção da neutralidade tiveram forte participação dos internautas.

A discussão agora volta para a questão da guarda de logs e da privacidade que já abordamos aqui. O jurista Paulo Rená, que foi gestor do projeto de elaboração do Marco Civil da Internet no Ministério da Justiça, logo após a aprovação no senado, começou uma campanha no Twitter com a hashtag #veta15Dilma. O movimento tomou força e logo virou um tuitaço. Mais uma vez, a atenção da população para os temas em debate no campo da política pode gerar frutos.

A sanção presidencial ao Marco Civil deve sair ainda hoje e deve ser anunciada à noite pela presidente Dilma em seu discurso na NetMundial, fórum multisetorial de governança global. Vamos agora torcer para que os clamores sejam ouvidos e aconteça o veto ao artigo 15.

*Claudia Melo é Ph.D. em métodos ágeis pelo IME-USP, Diretora de Tecnologia da ThoughtWorks Brasil e ativista do grupo Knowledge Commons. Luca Bastos é Consultor da ThoughtWorks, Desenvolvedor do tempo da Carochinha, eterno aprendiz. Fazer com paixão, aprender e compartilhar sempre.

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