PUBLICIDADE

Foto do(a) blog

O lado livre da internet

Parabéns, copyright!

"Happy Birthday to You" em domínio público após apenas 100 anos!

Por CCSL
Atualização:
 Foto: Estadão

Por Nelson Lago*

PUBLICIDADE

Talvez você já tenha achado curioso ouvir, em um filme americano, a canção "For He's a Jolly Good Fellow" numa comemoração de aniversário. Talvez você ache esquisito que Xuxa, Patati Patatá, Galinha Pintadinha e provavelmente muitos outros tenham canções de aniversário próprias. Mas talvez você nunca tenha se dado conta do porquê.

Uma boa pista para a explicação está em um processo recém-terminado nos EUA. Numa decisão amplamente noticiada, a Warner/Chappell Music Inc. realizou um acordo pelo qual se compromete a devolver US$14 milhões a diversas entidades que pagaram pela permissão para utilizar comercialmente a canção "Happy Birthday to You". Esse acordo foi feito após um processo que definiu que, basicamente, a empresa nunca teve qualquer direito sobre ela. Até então, qualquer execução pública de "Happy Birthday..." dependia de autorização (mediante pagamento, claro) da Warner/Chappell.

Você se espanta em saber que ela não é uma canção folclórica? Então, não é... A canção (com outra letra) foi publicada em 1893 e a letra (em inglês) foi acrescentada entre essa data e 1912. O brigadeiro, doce obrigatório nos aniversários brasileiros, foi criado entre 1920 e 1945. Mesmo o formato das festas de aniversário infantis atuais, em que há várias crianças, doces e um bolo, começou a se disseminar há menos de 150 anos. Ou seja, a canção tem praticamente a mesma idade que tudo o mais relativo às festas de aniversário, e nos parece uma "tradição desde sempre". Ela foi escrita quando as primeiras lâmpadas elétricas começaram a surgir, na mesma época em que o Brasil aboliu a escravidão e antes da criação da União Sovética, país central na geopolítica mundial do século XX e que já não existe mais. No entanto, enquanto brigadeiros e bolos de aniversário são "folclore", a canção rendia quase US$2 milhões ao ano para a Warner/Chappell.

Lembremos que o direito de autor foi inventado para atender a diversas demandas, mas em especial como forma de incentivar o desenvolvimento e a disseminação de novos conhecimentos e da criação cultural. Isso é possível porque as restrições impostas pela lei permitem ao autor negociar o pagamento pelo seu trabalho. No entanto, a própria lei reconhece o valor de tornar os frutos desse trabalho de criação livremente acessível, através de limitações à duração e ao alcance das restrições que impõe. É principalmente por isso que trabalhos antigos passam ao domínio público e que alguns usos, como execuções musicais em ambientes familiares ou citações de trechos de texto, são automaticamente permitidos.

Publicidade

Mas será que faz sentido que uma canção ainda possa ser objeto de direitos de autor mais de 100 anos após sua criação? Certamente os autores originais e mesmo seus descendentes já distantes se beneficiaram economicamente da canção em muito maior escala que o esforço envolvido em sua criação, enquanto o esperado benefício geral advindo da passagem ao domínio público ainda não chegou. Isso a despeito do fato de que, à época da publicação, a lei não afetava qualquer forma de execução, limitando-se apenas a edições impressas; a restrição às execuções foi definida em lei muito depois.

Há ainda outro aspecto importante: a canção é relevante hoje não por estar presente na mídia ou porque existem gravações ou espetáculos com grandes intérpretes. Ao contrário, sua relevância vem exatamente de seu uso nas festas de aniversário. Ou seja, seu valor comercial hoje deriva muito menos de suas qualidades musicais que do fato de ela fazer parte da cultura popular de diversos países. E, no entanto, ao retratar essa cultura, era necessário até agora o pagamento de direitos, numa inversão de valores em que a transição da criação ao domínio público foi substituída por uma apropriação do valor popular por um produto comercial.

Mas tudo isso está bem agora graças e esse processo, certo? Não é bem assim. Em primeiro lugar, se os detentores dos direitos tivessem agido de maneira diferente em 1935, "Happy Birthday to You" continuaria sendo de uso restrito até 2030, ou seja, a lei teria permitido isso. Em segundo lugar, esse caso só chegou a esse fim porque houve um processo, mas isso geralmente é caro demais para ser viável. E, em terceiro, o processo se refere à versão americana da canção. "Parabéns a você" teve sua letra composta em 1942 e permanece sob a proteção da lei de direitos autorais até 2070.

* Nelson Lago é gerente técnico do CCSL-IME/USP

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.