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O lado livre da internet

Por que FPGAs?

Nem só de software livre vive o homem

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Por CCSL
Atualização:
FOTO: Andres Moreno  Foto: Estadão

Por Rodrigo Siqueira*

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A discussão sobre hardware aberto e o software livre que interage com ele torna-se cada vez mais relevante devido às diversas polêmicas que surgiram nos últimos anos relacionadas a privacidade, vigilância e monopólio. Diversos documentos vazados pelo Wikileaks e por Edward Snowden tornaram possível ao grande público saber que vários dos seus dispositivos de hardware vêm com falhas de segurança implementadas propositalmente para que agências de segurança possam realizar qualquer tipo de vigilância sobre um usuário convencional. Várias empresas também coletam informações dos seus usuários via hardware ou software com fins comerciais sem deixar claro que isso está acontecendo. Além disso, polêmicas sobre dispositivos médicos que são instalados diretamente no corpo de pacientes e que não são de livre acesso nem mesmo para o próprio usuário do dispositivo têm gerado desconforto. Por fim, vários pesquisadores reconhecidos vêm alertando sobre a importância de se ter uma arquitetura de hardware aberta à qual todos possam ter acesso para criar novos componentes e realizar auditorias sobre eles.

Infelizmente, o software livre relacionado à produção de hardware ainda precisa evoluir e de mais contribuidores. Um exemplo disso é o caso das FPGAs, em que o desenvolvedor é praticamente forçado a utilizar soluções restritas. Tais ferramentas não possuem qualquer auditoria da comunidade e ainda buscam restringir o desenvolvimento para dispositivos em uma única ferramenta como forma de monetizar o licenciamento.

Em resposta a esse cenário, algumas pessoas resolveram se organizar para criar ferramentas livres para o desenvolvimento focado em FPGAs. Dentre eles, destacam-se os projetos conduzidos e criados por Clifford Wolf, que visa fornecer parte do ecossistema necessário para o completo desenvolvimento com ferramentas livres para FPGAs. Clifford dispendeu enorme esforço para criar suas ferramentas, incluindo longas horas de trabalho realizando a engenharia reversa de várias FPGAs. Tal trabalho é importante para garantir um ecossistema de desenvolvimento livre, dar a possibilidade de auditar códigos e encontrar bugs críticos rapidamente, de forma a evitar prejuízos com hardware e, principalmente, incentivar a pesquisa. Note que o objetivo do Clifford não é construir novas FPGAs, mas sim entender a especificação delas para possibilitar que ferramentas livres sejam criadas.

Clifford Wolf não é o único que está trabalhando nesse contexto; o pesquisador da Universidade de Berkeley, David Petterson, também está envolvido no movimento que busca pensar o hardware livre. Petterson é famoso, dentre outras coisas, pela criação da arquitetura RISC (grande parte das CPUs modernas usam o conceito desenvolvido por ele) e outras pesquisas de alto impacto. Nos últimos sete anos, o pesquisador de Berkeley dedicou-se à criação da próxima versão da arquitetura RISC, o RISCV, que, dentre inúmeras inovações, tem como vantagem principal o fato de ser uma arquitetura aberta. Petterson argumenta que uma CPU aberta trará benefícios para a sociedade em diversos aspectos, dentre eles: maior liberdade de pesquisa, uma vez que as empresas detém várias patentes e acordos que tornam a pesquisa mais cara; maior liberdade de auditoria; maior aquecimento do mercado, uma vez que empresas menores podem tornar-se mais competitivas perante as grandes; e maior avanço do estado da arte.

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Essa discussão ganha cores ainda mais fortes quando nos lembramos que o hardware computacional está cada vez mais próximo do nosso corpo. Atualmente, já existem dispositivos médicos implantados em diversos pacientes; a expectativa, no entanto, é que o hardware embarcado em nossos corpos venha a se tornar tão comum quanto aparelhos celulares são hoje. Em que pesem os argumentos de mercado para defender o uso de sistemas restritos em aplicações desse tipo, é preciso discutir onde o hardware livre pode encaixar-se nesse contexto, propondo soluções novas e abertas para toda sociedade.

Os desafios são enormes no que diz respeito ao ambiente de desenvolvimento e à criação de hardware livre. No entanto, a busca pela consolidação do hardware livre é uma extensão lógica do movimento pelo software livre. As discussões e os trabalhos estão apenas começando, existe muita coisa para se construir e muita para ajudar a melhorar; um prato cheio para desenvolvedores ávidos por colaborar e resolver os problemas da sociedade do futuro.

* Rodrigo Siqueira é mestrando em Ciência da Computação e criador do software livre kuniri

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