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O lado livre da internet

Quem tem medo da tecnologia?

A guarda universal de registros de conexão à Internet une o inútil ao desagradável

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Por Nelson Lago
Atualização:
FOTO: Stilgherrian  Foto: Estadão

Ao que parece, a câmara dos deputados.

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Como mencionamos há algum tempo, a câmara recentemente concluiu os trabalhos da CPI sobre crimes cibernéticos, que descobriu algo surpreendente: a Internet é utilizada para a realização de crimes. Pior: os crimes que ocorrem nas ruas, nas empresas, nas esferas do próprio governo, nos lares ou nas penitenciárias são certamente muito graves, mas sua importância não se compara à dos ilícitos que ocorrem na rede.

Esse é o único entendimento possível do projeto que obriga o registro do acesso à Internet de todos os usuários por um ano através de qualquer entidade, mesmo que esse acesso ocorra através de projeto social ou por cortesia oferecida a clientes. Afinal, dado que a legislação busca atingir o ponto de equilíbrio entre as liberdades individuais e o risco à segurança da população como um todo, só riscos elevadíssimos justificam uma regra desse tipo.

É por isso que você pode tomar um ônibus e se deslocar pela cidade sem precisar ser identificado, mas não vai mais poder se conectar a um ponto de acesso em um shopping center, um café ou mesmo uma praça ou praia públicos sem fornecer os dados necessários à sua identificação: os riscos do trânsito das pessoas pela cidade são muito menores que os riscos a que o cidadão expõe a sociedade ao conectar-se à Internet.

É por isso que você pode fazer pagamentos de pequenos valores em dinheiro, que não é rastreável, mas não vai poder consultar seu email sem que alguém registre quando e onde você acessa a Internet a todo momento: os efeitos deletérios do tráfico de drogas, da sonegação de impostos ou dos pequenos subornos que existem cotidianamente não se comparam à hecatombe que o acesso à Internet representa.

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É por isso que você pode usar um telefone público nos vários lugares em que eles existem por exigência do próprio Estado, mas não vai poder consultar num sistema de busca quais restaurantes existem na região onde você está sem que sua presença online seja registrada e armazenada durante um ano: sequestros, pseudo-sequestros, ameaças ou falsas denúncias são peixe pequeno perto da maldade que reina online.

Não importa que essa regra gere oportunidades de negócios duvidosas, permitindo que ainda mais empresas façam uso de dados pessoais de usuários (como facebook, google e outras já fazem) para exploração comercial. Não importa que isso abra as portas para ainda mais abusos por parte do Estado (como já acontece com a NSA). Não importa que isso aumente ainda mais a gravidade das inevitáveis falhas de segurança que levam a vazamento de dados pessoais. Nada disso importa, pois, mais que armas, dinheiro ou mau caratismo, o maior problema que ameaça a humanidade é a tecnologia.

E é justamente ela que cria pragas modernas como criptografia (até mesmo não-digital!) e servidores proxy, que serão usados cotidianamente pelos criminosos, tornando essas medidas inócuas em sua função original mas muito boas para minar a cidadania. Talvez, no fim das contas, seja isso mesmo o que se quer.

* Nelson Lago é gerente técnico do CCSL-IME/USP

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