
Código Aberto
O lado livre da internet
Resenha: The Open Organization
O livro do presidente da Red Hat fala em um novo paradigma para as empresas
29/09/2016 | 09h00
Por Nelson Lago
Existe uma certa tradição de livros da área de administração de empresas voltados para o público geral. Nos anos 80, as autobiografias de Lee Iacocca (que recuperou a Chrysler americana quando a empresa estava à beira da falência) e Akio Morita (co-fundador e primeiro presidente da Sony) se tornaram muito populares. Na mesma época, no Brasil, foi lançado, também com grande sucesso, o livro “virando a própria mesa”, de Ricardo Semler (que assumiu a direção de uma empresa familiar em dificuldades e a expandiu significativamente). Recentemente, a biografia de Steve Jobs também se tornou muito popular e é comum que se mencione como ele “salvou” a Apple quando retornou à direção da companhia em 1997. Entre fatos sobre a vida pessoal de seus autores e ideias gerais sobre política e economia, a popularidade desses livros se baseia principalmente na história heroica de seus protagonistas: empresários que criaram do nada ou reformularam drasticamente suas empresas mostrando como suas abordagens inovadoras e ousadas catapultaram essas companhias ao “sucesso”.
“The Open Organization” (“a organização aberta”), de Jim Whitehurst, atual presidente da Red Hat, não é um desses livros. Whitehurst também passou por uma experiência similar à desses outros autores quando se tornou diretor de operações da Delta Airlines: a empresa passava por sérias dificuldades, correndo o risco de ser encampada por uma concorrente, e nosso herói foi uma das figuras-chave na reestruturação da Delta que lhe permitiu escapar da falência. No entanto, não foi sobre isso que ele decidiu escrever. “The Open Organization” também não conta a história de como ele, na figura de presidente, injetou “sangue novo” na Red Hat e redirecionou a empresa para uma rota de crescimento sem precedentes. O livro conta a história contrária: como ele, na figura de presidente, aprendeu sobre uma nova forma de trabalho e gestão que a Red Hat já cultivava há muito tempo – e como, na opinião do autor, essa nova forma de trabalho deve revolucionar as empresas no futuro. O ponto inicial do texto, portanto, é a crítica à estrutura empresarial atual e ao papel da “liderança” nas empresas; para ele, as hierarquias rígidas e os limites nos recursos disponíveis não serão suficientes para abarcar os desafios da humanidade para as próximas décadas, sendo necessário valorizar a colaboração dentro e fora das empresas para uma maior produtividade e qualidade.
Já há algum tempo fala-se em “crowdsourcing”: mecanismos para incentivar a participação massiva de pessoas diversas em atividades diversas. Embora seja interessante, Whitehurst aponta dois problemas principais com o crowdsourcing: o mecanismo apenas funciona para objetivos pontuais com prazo definido e tem um caráter “extrativista”, ou seja, é difícil imaginar que possa ser uma abordagem sustentável. Para ele, é importante aproveitar o máximo de funcionários e parceiros através de uma comunidade participativa para além da própria empresa e que seja continuamente inspirada, motivada e empoderada por ela. Na sua visão, esse tipo de abordagem é que viabilizou iniciativas como o projeto genoma, e é esse o assunto do livro: como a Red Hat funciona e como esse funcionamento pode ser adotado em outras empresas. E esse funcionamento, claro, foi inspirado pelas comunidades de desenvolvimento de software livre.
Uma coisa é certa: não é uma ideia fácil de vender para administradores tradicionais. É claro que muito se fala sobre “inspirar e empoderar os funcionários”, mas Whitehurst conta um “causo” logo no início do livro que mostra como na Red Hat esses conceitos são levados ao extremo: pouco tempo após assumir o cargo, ele “mandou” uma equipe preparar um relatório. Alguns dias depois, ao questionar a equipe sobre o andamento desse trabalho, ouviu uma resposta despreocupada: “ah, nós achamos que era uma má ideia, então decidimos não fazer”. A partir dessa experiência, ele concluiu: “meu trabalho não é inventar estratégias brilhantes e fazer as pessoas trabalharem com mais afinco. O que eu preciso fazer é criar o contexto para que os associados à Red Hat possam fazer o melhor trabalho possível”. De fato, eu mesmo, numa conversa informal com um funcionário da empresa, ouvi que “se você precisa de uma funcionalidade para um cliente mas não conseguir convencer o programador que aquilo é necessário, ele não vai fazer; mas se você convencê-lo da necessidade, amanhã às 9:00h da manhã o código vai estar funcionando”.
Após essa introdução, o livro é dividido em três grandes partes: “Por quê”, em que ele discute a motivação por trás do envolvimento de funcionários e associados – e as dificuldades em colocar essa motivação no centro em lugar da hierarquia; “Como”, em que a ideia da meritocracia (no sentido usado dentro das comunidades de software livre) é contrastada com as de hierarquia e democracia como mecanismo de gestão e apoio à inovação; e “O quê”, em que ele defende que o processo decisório aberto, embora mais lento e custoso, é mais eficiente no longo prazo porque a execução das decisões acontece de forma muito mais fácil.
Vale observar que a Red Hat não é a única empresa que Whitehurst considera uma “organização aberta”; o livro inclui vários exemplos de outras empresas. Ainda assim, é difícil saber se esse modelo se adapta a qualquer tipo de empresa para além de empresas de software e a qualquer tipo de trabalhador para além dos desenvolvedores. Whitehurst acredita que sim; resta saber se suas ideias serão apenas modismo passageiro ou se sua previsão de que as empresas necessariamente vão migrar para um paradigma cada vez mais aberto vai se concretizar.
Para quem tiver interesse em saber mais sobre a empresa, na semana que vem (dia 05 de outubro) acontece o Red Hat Forum em São Paulo. O evento é gratuito, mas é preciso se inscrever; se você estiver em São Paulo nesse dia, vai valer a pena!
* Nelson Lago é gerente técnico do CCSL-IME/USP